Pular para o conteúdo principal

O DECRETO DA ENCARNAÇÃO DO VERBO

 Et audivi vocem dicentís : Quem mittam? Et quis ibit nobis? Et dixi: Ecce ego. mitte me. — “E ouvi a voz de quem dizia: Quem enviarei eu? E quem nos irá lá? Então disse eu: Aqui me tens a mim, envia-me” (Isa. 6; 8).


Sumário. Embora o Filho de Deus previsse a vida penosa que teria de levar, submeteu-se contudo de boa vontade ao decreto da Encarnação, ofereceu-se mesmo a fazer-se homem. E isso não só a fim de satisfazer plenamente à justiça divina, mas também para nos mostrar seu amor, e obrigar-nos a que O amemos sem reserva. Como é que até o dia de hoje temos respondido a tão grande beneficio?

****************************

Afigura-se a São Bernardo (1) em sua contemplação sobre a condição do gênero humano depois do pecado do primeiro homem, ver travarem contenda a justiça divina e a misericórdia.

Estou perdida — diz a justiça — se Adão não for punido.

A misericórdia, ao contrário, replica: Estou eu perdida, se o homem não for perdoado.

Em vista de tal contenda, o Senhor decide que, para salvar o homem réu de morte, há de morrer um inocente: Moriatur qui nihil debeat morti.

Na terra, porém, não se achava um que fosse inocente.

Portanto — disse o Pai Eterno — já que entre os homens não há quem possa satisfazer à minha justiça, quem irá resgatar o homem? Os anjos, os querubins, os serafins, todos guardam silêncio, ninguém responde; só responde o Verbo Eterno e diz: Ecce ego, mitte me — “Aqui me tens a mim, envia-me”.

Meu Pai — diz o Filho unigênito — a vossa majestade, por ser infinita, e ofendida pelo homem, não pode ser plenamente satisfeita por um anjo, que é uma pura criatura. E ainda que Vós quisésseis contentar com as satisfações de um anjo, considerai que, apesar de tantos benefícios prestados ao homem, apesar de tantas promessas e ameaças, não conseguimos ganhar o seu amor, porque até hoje não conheceu o amor que lhe tínhamos. Se quisermos obrigá-lo irresistivelmente a amar-nos, que ocasião se nos pode deparar mais própria do que esta? Permite que, para remir o homem, eu, vosso Filho, desça sobre a terra e tome a natureza humana; permite que, pagando com a minha morte as penas devidas ao homem, satisfaça plenamente á vossa justiça divina, e o homem fique bem convencido do nosso amor.

Mas considera, meu Filho — assim torna o Pai — considera que, encarregando-Te de pagar pelos homens, terás de levar uma vida toda de trabalhos, e os homens Te pagarão com a mais negra ingratidão. Depois de teres vivido trinta anos como simples auxiliar de um pobre artífice, quando afinal saíres a pregar e a manifestar quem és, haverá, é verdade, uns poucos que Te queiram seguir; mas a maior parte dos homens Te desprezará, chamando-Te impostor, feiticeiro, louco, samaritano, e finalmente te farão morrer ignominiosamente, exausto de tormentos, sobre um lenho infame.

Não importa — responde o Filho — a tudo me sujeito, contanto que seja salvo o homem: Ecce ego, mitte me — “Aqui me tens a mim, envia-me”.

E assim foi decretado que o divino Filho se fizesse homem e redentor dos homens. O amor incompreensível de Deus! Mas como temos nós até este momento respondido a tão grande beneficio?

Ó Verbo Eterno, Vós Vos fizestes homem para nos remir e acender em nossos corações o divino amor; como foi possível que encontrásseis nos corações dos homens tão grande ingratidão? Vós nada poupastes para Vos fazer amado dos homens; chegastes a dar o vosso sangue e a vossa vida; como é que os homens se mostram tão ingratos para convosco? Ignoram-no por ventura? Não; sabem e crêem que por eles viestes do céu para revestir-Vos de carne humana e tomar sobre Vós as nossas misérias; sabem que por amor deles levastes uma vida penosa e abraçastes uma morte ignominiosa: como vivem então assim esquecidos de Vós? Amam aos parentes, amam aos amigos, amam os próprios animais; somente para convosco são tão frios, tão ingratos.

Mas ai de mim! Acusando aqueles ingratos, acuso-me a mim próprio, que pior do que os outros Vos tenho tratado! Anima-me, porém, a vossa bondade, que me tem tolerado tanto tempo a fim de perdoar-me, contanto que eu queira arrepender-me e amar-Vos. Sim, meu Deus, quero arrepender-me; pesa-me de toda a minha alma de Vos ter ofendido e quero amar-Vos de todo o meu coração. Reconheço, ó meu Redentor, que o meu coração já não merece mais ser por Vós aceito, visto que Vos tem deixado por amor às criaturas; mas vejo que, não obstante isso, Vós ainda o quereis, e eu, com todo o poder de minha vontade, Vô-lo dou e consagro. Abrasai-o, pois, todo em vosso santo amor, e fazei com que de hoje em diante não ame senão a Vós, bondade infinita, digna de infinito amor. Amo-Vos, Jesus meu, amo-Vos, meu sumo Bem, amo-Vos, ó amor único de minha alma. — Ó Maria, minha Mãe, vós, que sois a mãe do belo amor, impetrai-me a graça de amar o meu Deus; de vós a espero. (III 668.)

  1. Opusc. 63.

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I – Santo AfonsoO DECRETO DA ENCARNAÇÃO DO VERBO | DOMINUS EST (catolicosribeiraopreto.com)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A mitra dos bispos e papas e o simbolismo pagão RECEBEMOS DO LEITOR que se identifica com o nome "Emerson" a pergunta que reproduzimos abaixo, seguida de nossa resposta: “ (...) uma coisa me deixou muito em dúvida. Vi um desses vídeos onde acusam a igreja católica de adorar o Deus Mitra e até distorceram uma explicação de um padre sobre o natal para comprovar o culto ao Deus mitra. Até ai tudo bem estava me divertindo com as heresias ai então o autor falou que presta serviço a várias instituições catolicas e que a razão social da maioria começa com mitra e o nome da instituição comprovando o culto ao tal deus sol. Fiz uma rápida busca e realmente percebi que varias dioceses tem o mitra antes do nome e também percebi o termo mitra diocesana. Sei que mitra é o chapel cônico que os bispos e o papa usa. Gostaria de saber qual o verdadeiro significado do termo mitra para igreja e se tem alguma ligação com o deus pagão e porque o nome aparece na frente do nome das diocese

A ignorância invencível e a salvação

Sem Roma, totalmente frustada por ver a FSSPX caminhando em direção à Barca de Pedro, não mais pode apoiar-se na mesma para justificar seu "apostolado". Aliás, agora são Sem Roma & FSSPX. Em uma tentativa vã que só convenceu os organizadores da idéia, quiseram mostrar uma suposta contradição em uma frase do Pe Paulo Ricardo com o ensino católico no folder acima. Iremos mostrar, nesse artigo, que as palavras do Reverendíssimo padre, que tanto bem faz a Igreja no Brasil na formação sólida tradicional entre leigos e seminaristas, estão em perfeita harmonia com o que o Magistério sempre ensinou. Obviamente que o Padre Paulo fala dos que estão em ignorância invencível. Ora, se diz que eles têm em mente um simulacro, um boneco, ao invés da Igreja Católica, é claro que faz referência aos que não pecam mortalmente por isso. O que ele falou sempre foi consenso entre os teólogos. O grande teólogo Penido diz o seguinte sobre isso:  “Melhor seria cognominá-los cristãos di

Quaresma: Catecismo Maior de São Pio X

A Igreja, no início da Quaresma, costumava fazer a imposição das sagradas cinzas, para recordar-nos de que somos feitos de pó, e com a morte, reduzimo-nos novamente ao pó, e assim nos humilhemos e façamos penitência por nossos pecados, enquanto temos tempo 37.   Que é a Quaresma? A Quaresma é um tempo de jejum e penitência instituída pela Igreja por tradição apostólica. 38.   A que fim foi instituída a Quaresma? A Quaresma foi instituída: 1º para dar-nos a entender que temos a obrigação de fazer penitência durante todo o tempo da nossa vida, da qual, de acordo com os santos Padres, a Quaresma é figura; 2º para imitar de alguma maneira o rigoroso jejum de quarenta dias que Jesus Cristo praticou no deserto; 3º para prepararmo-nos, por meio da penitência, em celebrar santamente a Páscoa. 39.   Por que o primeiro dia da Quaresma é chamado de quarta-feira de cinzas? O primeiro dia da Quaresma é chamado de quarta-feira de cinzas porque nesse dia a Igreja impõe sobre