Por Peter Kwasniewski, LifeSiteNews.com | Tradução: João Pedro de Oliveira, FratresInUnum.com – No meio do que parece ser uma interminável e inextirpável crise de abusos sexuais, alguns católicos se sentirão tentados a jogar a culpa de tudo isso na concepção tradicional de sacerdócio, que eles mal entendem.
Na minha opinião, o problema não é que tenhamos o clero em alta conta, mas sim que rebaixamos o ofício sacerdotal a um trabalho meramente humano, ao invés de enxergá-lo como uma missão sagrada paraa qualalguns homens são chamados e consagrados por Deus.
A solução para os abusos não é descartar o ideal, mas enfatizá-lo uma vez mais, purificando-o de quaisquer vícios que ele possa ter adquirido em um certo período da história. Nosso período atual é manchado pela Revolução Sexual de 1968, como observou recentemente o Papa Bento XVI em sua carta sobre a crise dos abusos. Poder-se-ia acrescentar que nosso período também é manchado pelo igualitarismo, pelo horizontalismo e pelo secularismo — uma mistura diabólica que, bebida pelos sacerdotes, impede-os de sonharem e se alegrarem com a plenitude da nobreza espiritual e do autossacrifício exigidos por sua vocação.
A figura do padre, tal como se conhece no Ocidente há quase dois mil anos, tem sido gradativamente reduzida nas últimas décadas a algo que dificilmente se pode reconhecer como “oficial”, quanto mais como algo sagrado ou sacerdotal. A maioria dos sacerdotes que conheci na minha juventude passava a imagem de administradores cuidando de relações públicas, almoços, arrecadação de fundos e coisas semelhantes, entregando aos leigos as responsabilidades pelo “planejamento litúrgico” e até mesmo a distribuição da Sagrada Comunhão, para a qual as mãos do padre foram ungidas. O que aconteceu com o sacerdote, aquele majestoso e misterioso representante de Deus?
Considere por um momento como as tendências antitradicionais, cujos frutos amargos ainda estamos colhendo, afetam o papel do sacerdote na paróquia e a própria percepção que ele tem dos deveres de seu ofício. Não pode haver dúvida de que os padres devem ser pastores, mestres e líderes, à imitação de seu modelo divino, assim como não há dúvida de que pessoas em todas as épocas precisam ser pastoreadas, ensinadas e guiadas. Os meios mais importantes para o exercício desse tríplice ofício são o confessionário, onde o sacerdote pode perdoar aos pecadores e levá-los à santidade, e a sagrada liturgia, através da qual ele pode unir os fiéis aos maravilhosos e vivificantes mistérios de Cristo.
Contudo, a falsa concepção da liturgia como um encontro de canto e socialização desvaloriza tudo o que o sacerdote é chamado a ser, transformando-o em um mero “facilitador” das atividades paroquiais programadas para um domingo de manhã. Não há razão para que qualquer outra pessoa não possa “facilitar” essas mesmas tarefas simples: basta ler o que está impresso em uma página presa a um fichário. Esse reducionismo utilitarista é parte da razão pela qual alguns católicos falam tanto de “diaconisas”. Eu aposto que se as tais diaconisas tivessem de se envolver em liturgias latinas solenes com várias horas de duração, elas não ficariam clamando por esse trabalho.
Quando os mistérios da fé e a adoração de Deus recuam para o segundo plano, quando a doutrina de Cristo e de sua Igreja mal recebe um momento de atenção, quando o confessionário está vazio, o sacerdote perde a sua razão de ser. Se os homens não são de fato pecadores, por que eles precisariam mesmo da absolvição sacramental? Se os homens não são realmente chamados a trabalhar em sua salvação com temor e tremor, por que precisariam receber o Pão da Vida — ou mesmo sentir fome desse pão? Não é de se admirar que os padres achem os seus dias monótonos. Afinal, eles deixaram de reger, curar e nutrir as almas com o Deus Encarnado.
Foi depois de assistir, certa manhã, a uma rápida e insípida Missa paroquial, que eu fui me dar conta da razão pela qual, em algumas partes do mundo, o sacerdócio está beirando a irrelevância: o padre não é mais uma autoridade, um mestre, um homem que santifica as outras pessoas. Sua principal razão de existir — oferecer o sacrifício a Deus em favor do povo — está se esvaindo. À medida que os católicos adotam uma visão protestante de “ministério” (n.d.t.: como se os padres fossem equivalentesaos pastores evangélicos), a única base para uma hierarquia sacerdotal e um sacerdócio ordenado é solapada. Se, como dizem os liturgistas progressistas, é a congregação o verdadeiro celebrante e o sacerdote não passa de um representante que trabalha em seu nome, o que se torna o padre, senão um leigo agraciado com a oportunidade invejável de se sentar em um trono de madeira e usar um casaco “dos sonhos”, cheio de efeitos e cores? É óbvio, também, que ninguém se sente atraído por ser um celibatário no centro dos holofotes em uma época na qual as coisas boas são medidas pelo conforto carnal que oferecem. Na ausência de aspirações espirituais genuínas, então, os apetites sensoriais impõem-se a si mesmos — e não surpreende que ouçamos o clamor incessante por um clero casado.
Não nos enganemos sobre a razão mais profunda por que os protestantes rejeitaram tão prontamente o celibato no século XVI. Se o sacerdócio não foi instituído por Cristo a fim de que o mundo seja preenchido com “outros Cristos”, homens separados para levar adiante o ofício sagrado do Sumo e Eterno Sacerdote, então não há absolutamente base alguma, nem para qualquer distinção entre os leigos e o padre, nem para que o sacerdote leve um modo de vida diferente. Os protestantes sabiam desde o início que uma compreensão “congregacionalista” da Igreja anulava tanto a hierarquia quanto o sacrifício; em uma sociedade igualitária de crentes, cada membro se governa e se santifica por uma comunicação pessoal com o Espírito Santo.
A crise dos abusos e a campanha contra o celibato, apesar de sua oposição superficial, são, na verdade, duas faces da mesma moeda: ambas resultam do abandono da identificação mística do sacerdote com Cristo, e da marginalização do heroísmo e do gênio desse modo de vida, favorecido de modo especial para ser uma bênção para toda a Igreja. Se queremos bons e santos sacerdotes, e muitos deles, a única coisa que devemos fazer é recuperar um catolicismo que, em fidelidade à Tradição, compreenda a dignidade e as exigências do sacerdócio. Qualquer solução que pretenda menos do que isso só o que irá produzir são mais abusos, sejam eles criminosos ou subliminares.
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