NESTE INÍCIO de Quaresma, procuremos, mais ainda do que a mortificação corporal, aceitar o convite que a Liturgia sabiamente nos faz, de combater o amor próprio com todas as nossas forças.
“Procurai o mérito, procurai a causa, procurai a justiça; e vede se encontrais outra coisa que não seja a Graça de Deus.”(Santo Agostinho, Sermão 185; PL 38,997-999)
Ao receber, na Quarta-feira que antecede a Quaresma, as cinzas sobre a cabeça, ouviremos mais uma vez um claro convite à conversão que pode expressar-se numa fórmula dupla: "Convertei-vos e crede no Evangelho"; ou: "Recorda-te que és pó e em pó te hás de tornar".
Precisamente devido à riqueza dos símbolos e dos textos bíblicos, a Quarta-Feira de Cinzas é considerada a porta de entrada da Quaresma. De fato, a Liturgia e os gestos que a distinguem formam um conjunto que antecipa resumidamente as características próprias de todo o período quaresmal. Na sua tradição, a Igreja não se limita a oferecer-nos a temática litúrgica e espiritual do itinerário quaresmal, mas indica-nos também os instrumentos ascéticos e práticos para o percorrer frutuosamente.
"Convertei-vos a Mim de todo o vosso coração, com jejuns, com lágrimas, com gemidos!" (Jl 2,12). Os sofrimentos e calamidades que afligiam naquele tempo a terra de Judá estimulam o autor sagrado a encorajar o povo eleito à conversão, isto é, a voltar com confiança filial ao Senhor dilacerando o seu coração e não as vestes. De fato, recorda o profeta, Ele "é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia e se compadece da desgraça" (2,13). O convite que Joel dirige aos seus ouvintes também é válido para nós.
Não hesitemos em reencontrar a Amizade de Deus perdida com o pecado; encontrando o Senhor, experimentamos a alegria do seu Perdão. E assim, quase respondendo às palavras do Profeta, fazemos nossa a invocação do refrão do Salmo 50: "Perdoai-nos Senhor, porque pecamos!". Proclamando o grande Salmo penitencial, apelamos à Misericórdia Divina; pedimos ao Senhor que o poder do seu Amor nos volte a dar a alegria de sermos salvos.
Com este espírito, iniciamos o tempo favorável da Quaresma, como nos recordou São Paulo: "Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos, n'Ele, justiça de Deus" (2Cor 5, 21), para nos deixarmos reconciliar com Deus em Cristo Jesus. O Apóstolo apresenta-se como embaixador de Cristo e mostra como precisamente através d'Ele é oferecida ao pecador, isto é, a cada um de nós, a possibilidade de uma reconciliação autêntica.
Só Cristo pode transformar qualquer situação de pecado em novidade de Graça. Eis porque assume um forte impacto espiritual a exortação que Paulo dirige aos cristãos de Corinto: "Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus"; e ainda: "Este é o tempo favorável, é este o dia da salvação" (5,20; 6,2).
Enquanto Joel falava do futuro Dia do Senhor como quem fala de um dia de terrível juízo, São Paulo fala de um tempo favorável, do Dia da Salvação. O futuro Dia do Senhor tornou-se o "Hoje". O dia terrível transformou-se na Cruz e na Ressurreição de Cristo, no Dia da Salvação. E este dia é agora, como diz o Canto ao Evangelho: "Hoje não endureçais os vossos corações, mas ouvi a Voz do Senhor". O apelo à conversão, à penitência, ressoa hoje com toda a sua força, para que o seu eco nos acompanhe em cada momento da vida.
Enquanto Joel falava do futuro Dia do Senhor como quem fala de um dia de terrível juízo, São Paulo fala de um tempo favorável, do Dia da Salvação. O futuro Dia do Senhor tornou-se o "Hoje". O dia terrível transformou-se na Cruz e na Ressurreição de Cristo, no Dia da Salvação. E este dia é agora, como diz o Canto ao Evangelho: "Hoje não endureçais os vossos corações, mas ouvi a Voz do Senhor". O apelo à conversão, à penitência, ressoa hoje com toda a sua força, para que o seu eco nos acompanhe em cada momento da vida.
A Liturgia da Quarta-Feira de Cinzas indica assim, na conversão do coração a Deus, a dimensão fundamental do tempo quaresmal. Esta é a chamada muito sugestiva que nos vem do tradicional rito da imposição das cinzas. Rito que assume um duplo significado: o primeiro é relativo à mudança interior, à conversão e à penitência; o segundo recorda a precariedade da condição humana, como é fácil compreender das fórmulas que acompanham o gesto.
Amados irmãos, temos quarenta dias para aprofundar essa extraordinária experiência ascética e espiritual. No Evangelho (cf. Mt 6,1-6.16-18), o Cristo indica quais são os instrumentos úteis para realizar a autêntica renovação interior e comunitária: as obras de caridade, a oração e a penitência. São três práticas fundamentais queridas também à tradição hebraica, porque contribuem para purificar o homem aos Olhos de Deus.
Estes gestos exteriores, que devem ser realizados para agradar a Deus e não para obter a aprovação dos homens, são por Ele aceitas se expressarem a determinação do coração em servi-lO com simplicidade e generosidade. Recorda-nos isto também um dos Prefácios quaresmais onde, em relação ao jejum, lemos esta singular expressão: "Ieiunio... mentem elevas", ou "com o jejum elevas o espírito" (Prefácio IV).
O jejum, ao qual a Igreja nos convida neste tempo forte, certamente não nasce de motivações de ordem física ou estética, mas brota da exigência que o homem tem de uma purificação interior que o desintoxique da poluição do pecado e do mal; que o eduque para aquelas renúncias saudáveis que libertam o crente da escravidão do próprio eu; que o torne mais atento e disponível à escuta de Deus e ao serviço dos irmãos. Por esta razão o jejum e as outras práticas quaresmais são consideradas pela tradição cristã como armas espirituais eficientes para combater o mal, as paixões negativas e os vícios.
“Como no findar do inverno volta a estação do Verão e o navegante arrasta para o mar o barco, o soldado limpa as armas e treina o cavalo para a luta, o agricultor lima a foice, o viajante revigorado prepara-se para outra longa jornada e o atleta depõe as vestes e prepara-se para as competições; assim também nós, no início deste jejum, quase no regresso de uma Primavera espiritual, forjamos as armas como os soldados, limamos a foice como os agricultores, e como timoneiros reorganizamos a nave do nosso espírito para enfrentar as ondas das paixões. Como viajantes retomamos a jornada rumo ao Céu e como atletas preparamo-nos para a luta, com o despojamento de tudo.”(São João Crisóstomo- Homilias ao povo antioqueno, 3)
A Quaresma é também, assim como não poderia deixar de ser, um tempo de profundo ardor eucarístico. Buscando naquela Fonte inexaurível de Amor que é a Eucaristia, na qual Cristo renova o Sacrifício Redentor da Cruz, cada cristão pode perseverar no itinerário que hoje empreendemos solenemente. As obras de caridade, a oração, o jejum, - juntamente com qualquer outro esforço sincero de conversão, - encontram o seu significado e seu valor mais alto na Eucaristia, centro e ápice da vida da Igreja e da história da salvação. "Este Sacramento que recebemos, ó Pai", - assim rezamos no final da Santa Missa, - "ampare-nos no caminho quaresmal, santifique o nosso jejum e o torne eficaz para a cura do nosso espírito".
Pedimos a Maria Santíssima que nos acompanhe para que, no final da Quaresma, possamos contemplar o Senhor ressuscitado, interiormente renovados e reconciliados com Deus e com os irmãos. Amém!
A Igreja nos indica, nas orações recitadas por seus ministros, o significado da cerimônia das Cinzas:
"Ó Deus, que não quereis a morte do pecador mas a sua conversão, escutai com bondade as nossas preces e dignai-vos abençoar estas cinzas que vamos colocar sobre as nossas cabeças. E assim reconhecendo que somos pó e que ao pó voltaremos, consigamos, pela observância da Quaresma, obter o perdão dos pecados e viver uma vida nova à semelhança do Cristo ressuscitado."
É, pois, a penitência que a Igreja nos quer ensinar pela cerimônia deste dia. Já no Antigo Testamento os homens se cobriam de cinzas para exprimir sua dor e humilhação, como se pode ler no livro de Jó e em tantas outras passagens da Escritura. Nos primeiros séculos da Igreja, os penitentes públicos apresentavam-se nesse dia ao bispo: pediam perdão revestidos de um saco, e, como sinal de sua contrição, cobriam a cabeça de cinzas. Mas como todos os homens são pecadores, relata Santo Agostinho, essa cerimônia estendeu-se a todos os fiéis, para lhes recordar o preceito da penitência. Não havia exceção alguma: pontífices, bispos, sacerdotes, reis, almas inocentes, todos se submetiam a essa humilde expressão de arrependimento.
Tenhamos os mesmos sentimentos: deploremos nossas faltas ao recebermos das mãos do ministro de Deus as cinzas abençoadas pelas orações da Igreja. Quando o sacerdote nos disser "lembra-te que és pó, e ao pó hás de tornar", ou "convertei-vos e crede no Evangelho", enquanto impõe as cinzas, humilhemos o nosso espírito pelo pensamento da morte que, reduzindo-nos ao pó, nos porá sob os pés de todos. Assim dispostos, longe de lisonjearmos o nosso corpo destinado à dissolução, tomemos a decisão de tratá-lo com dureza, refrear o nosso paladar, os nossos olhos, os nossos ouvidos, a nossa língua e todos os sentidos; a observar, o mais possível, o jejum e a abstinência que a Igreja nos prescreve. Rezemos juntos:
Ó Deus, inspirai-me verdadeiros sentimentos de humildade, pela consideração do meu nada, ignorância e corrupção. Dai-me o mais vivo arrependimento das minhas iniquidades que feriram vossas Perfeições infinitas, contristaram vosso Coração de Pai, crucificaram vosso Filho dileto e me causaram um mal maior do que a perda da vida do corpo, pois que o pecado mortal é a morte da alma e nos expõe a uma morte eterna. Pelo mesmo Cristo, Vosso Filho. Amém!
A Igreja sempre admoestou os fiéis a não nos se contentarem com os sinais externos de penitência, mas a lhe beberem o espírito e os sentimentos. Jejuemos, diz ela, como o Senhor deseja, mas acompanhemos o jejum com lágrimas de arrependimento, prosternando-nos diante de Deus e deplorando a nossa ingratidão na amargura dos nossos corações. Mas essa contrição, para ser proveitosa, deve ser acompanhada de confiança. Por isso a Igreja sempre nos lembra que nosso Deus é cheio de bondade e misericórdia, sempre pronto a perdoar-nos, o que é um forte motivo para esperarmos firmemente a remissão das nossas faltas, se delas nos arrependermos. Deus não despreza jamais um coração contrito e humilhado.
O pensamento da morte convida-nos ainda a viver mais santamente, e quão eficaz é essa recordação! A Liturgia termina exortando-nos a tomarmos generosas resoluções confiando plenamente em Deus. À borda do túmulo e à porta do Tribunal Supremo, quem ousaria enfrentar o seu Juiz, ofendendo-o e recusando o arrependimento ou vivendo na negligência, tibieza e relaxamento?
Coloquemo-nos, em espírito, em nosso leito de morte, e armemo-nos dos sentimentos de arrependimento e contrição que nesse caso teríamos. Depositemos nossa confiança na Misericórdia Divina, nos méritos de Jesus e na intercessão da Mãe da Igreja. Prometamos ainda ao Senhor:
Coloquemo-nos, em espírito, em nosso leito de morte, e armemo-nos dos sentimentos de arrependimento e contrição que nesse caso teríamos. Depositemos nossa confiança na Misericórdia Divina, nos méritos de Jesus e na intercessão da Mãe da Igreja. Prometamos ainda ao Senhor:
** Cortar dos nossos pensamentos tudo o que desagrada a Deus;
*** Viver, durante esse período, no recolhimento interior que favorece em nosso espírito a oração e nos separa de tudo o que não é Deus.
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Adaptação da Homilia de Quarta-feira de Cinzas (21/2/2007) do Papa Bento XVI, na Basílica de Santa Sabina no Aventino
Ref.: artigo "Liturgia da Quarta-Feira de Cinzas Recorda-nos Nossa Condição de Mortais", disponível em:
http://arautos.org/especial/13407/Quarta-feira-de-Cinzas.html
Acesso 5/4/014
http://www.ofielcatolico.com.br/search?q=quaresma
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