Conheça os maravilhosos efeitos da consagração ou escravidão de amor a Jesus por Maria nas nossas almas.
São Luís Maria Grignion de Montfort – em seu clássico livro de espiritualidade mariana intitulado “Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem” – nos ensina que a consagração ou escravidão de amor a nosso Senhor Jesus Cristo pelas mãos da Santíssima Virgem Maria produz efeitos maravilhosos em nossas almas.
A consagração e o conhecimento e desprezo de nós mesmos
Pela luz que o Espírito Santo nos dará por intermédio de Nossa Senhora, sua amantíssima esposa, conheceremos nosso fundo mau, nossa corrupção e nossa incapacidade para todo bem. Em consequência desse autoconhecimento, desprezar-nos-emos e será com horror que pensaremos em nós mesmos. Considerar-nos-emos “como uma lesma asquerosa que tudo estraga com sua baba, como um sapo repugnante que tudo envenena com sua peçonha, ou como a serpente traiçoeira que só busca enganar”[1]. A humilíssima Virgem Maria nos dará parte de sua profunda humildade, por isso nos desprezaremos a nós mesmos, sem desprezar pessoa alguma, e gostaremos até de sermos desprezados.
A verdadeira devoção e a participação da fé de Maria Santíssima
A Santíssima Virgem nos fará participar da sua fé, a maior fé que já houve na terra, maior que a de todos os patriarcas, profetas, apóstolos e santos. É verdade que na glória do Reino dos Céus, ela já não tem fé, pois vê claramente todas as coisas em Deus, pela luz da visão beatífica, porque vê o Senhor “como ele é” (1 Jo 3, 2), o contempla “face a face” (1 Cor 13, 12)”. Entretanto, por permissão do Altíssimo, Nossa Senhora não perdeu a fé ao entrar na glória celeste, mas guardou-a para seus fiéis servos e servas que estão na Igreja militante.
Sendo assim, quanto mais ganhamos a benevolência da Santíssima Virgem, mais profunda será a fé que teremos em toda a nossa conduta: uma fé pura, que nos levará à despreocupação por tudo que é sensível e extraordinário; uma fé viva e animada pela caridade, que fará com que nossas ações sejam motivadas por puro amor; uma fé firme e inquebrantável como um rochedo, que nos manterá firmes e constantes no meio das tempestades e tormentas; uma fé ativa e penetrante que, semelhante a uma chave misteriosa, nos dará entrada em todos os mistérios de Jesus Cristo, nos novíssimos do homem e no coração do próprio Deus; fé corajosa, que nos fará empreender, sem hesitações, e realizar grandes coisas para Deus e a salvação das almas; fé que será nosso facho luminoso, nossa vida divina, nosso tesouro escondido da divina Sabedoria e nossa arma invencível, da qual nos serviremos para aclarar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte, para abrasar os tíbios e os que necessitam do ouro candente da caridade, para dar vida aos que estão mortos pelo pecado, para tocar e comover – por nossas palavras doces e poderosas – os corações de pedra e os cedros do Líbano, e para resistir a Satanás e a todos os inimigos da salvação.
A consagração a Jesus por Maria e a graça do puro amor
Esta Mãe do amor formoso (cf. Eclo 24, 24) aliviará nosso coração de todo escrúpulo e de todo temor servil; ela o abrirá e alargará para correr pelo caminho dos mandamentos de seu Filho (cf. Sl 118, 32), com a santa liberdade dos filhos de Deus, e para nele introduzir o puro amor, de que ela possui o tesouro; de tal modo que não mais nos conduziremos, como o fizemos até aqui, pelo receio ao Deus de caridade, mas pelo puro amor, unicamente. Passaremos a olhá-Lo como nosso bondoso Pai, tratando de agradar-Lhe incessantemente; com Ele conversaremos confidentemente, à semelhança de um filho com seu pai. Se, por acaso, o ofendermos, humilhar-nos-emos imediatamente diante d’Ele, pedir-Lhe-emos perdão humildemente, Lhe estenderemos simplesmente a mão, e nos levantaremos amorosamente, sem perturbação nem inquietação, e continuaremos a caminhar para Ele, sem desfalecimentos.
A escravidão de amor e a grande confiança em Deus e em Maria
Através da consagração, a Santíssima Virgem nos encherá de grande confiança em Deus e nela, pelas seguintes razões:
1) Porque não nos aproximaremos mais de Jesus Cristo por nós mesmos, mas sempre por intermédio desta bondosa Mãe;
2) Porque – como consagrados damos a ela todos os nossos méritos, graças e satisfações, para que deles disponha à sua vontade – ela nos comunicará suas virtudes e nos revestirá de seus méritos, de sorte que poderemos dizer confiantemente a Deus: “Eis Maria, vossa serva: faça-se em mim conforme a vossa palavra – Ecce ancilla Domini; Fiat mihi secundum verbum tuum” (Lc 1, 38);
3) Porque, desde que nos demos a Virgem Maria inteiramente, de corpo e alma, ela, que é liberal com os liberais, e mais liberal que os próprios liberais, dar-se-á a nós em troca, e isto de um modo maravilhoso, mas verdadeiro; assim poderemos dizer-lhe ousadamente: “Tuus sum ego, salvum me fac! – Eu vos pertenço, Santíssima Virgem, salvai-me!” (Sl 118, 94); ou, com o discípulo amado: “Accepi te in mea”[2] (Jo 19, 27) – eu vos tomei, Mãe Santíssima, como todo o meu bem. Poderemos ainda dizer com São Boaventura: Ecce Domina salvatrix mea, iducialiter agam, et non timebo, quia fortitudo mea, et laus mea in Domino es tu – Minha querida Senhora e salvadora agirei com confiança e sem temor, porque Vós sois a minha força e o meu louvor no Senhor!” (Is 12, 2)[3]; e também podemos dizer: “Tuus totus ego sum, et omnia mea tua sunt; o Virgo gloriosa, super omnia benedicta, ponam te ut signaculum super cor meum, quia fortis est ut mors dilectio tua – Sou todo vosso, e tudo que tenho vos pertence; ó gloriosa Virgem, bendita sobre todas as coisas criadas, que eu vos ponha como uma marca sobre meu coração, pois vossa dileção é forte como a morte!” (cf. Ex 15)[4]. Podemos ainda dizer a Deus com os sentimentos do salmista:
Domine, non est exaltatum cor meum, neque elati sunt oculi mei; neque ambulavi in magnis, neque in mirabilibus super me; si non humiliter sentiebam, sed exaltavi animam meam; sicut ablactatus est super matre sua, ita retributio in anima mea – Senhor, nem meu coração nem meus olhos têm motivo para se elevar e ensoberbecer, nem de buscar coisas grandes e maravilhosas; e mesmo assim, ainda não sou humilde; mas elevei e encorajei minha alma pela confiança; sou como uma criança, afastada dos prazeres da terra e apoiada ao seio de minha mãe; e é neste seio que sou cumulado de bens (Sl 130, 1-2)[5].
4) O que aumenta ainda nossa confiança na Santíssima Virgem é que, tendo lhe dado em depósito tudo o que temos de bom para dar ou guardar, confiaremos menos em nós e muito mais nela, que é nosso tesouro. Oh! que confiança e consolação para uma alma poder chamar também seu o tesouro de Deus, onde o Senhor depositou o que tem de mais precioso! “Ipsa est thesaurus Domini – Ela é, diz um santo, o tesouro do Senhor”[6].
A consagração e a comunicação da alma e do espírito de Maria
A alma da Santíssima Virgem se comunicará a nós para glorificar o Senhor; seu espírito tomará o lugar do nosso para regozijar-se em Deus, contanto que pratiquemos fielmente esta devoção. “Sit in singulis anima Mariae, ut magnificet Dominum; sit in singulis spiritus Mariae, ut exultet in Deo – Que a alma de Maria esteja em cada um para aí glorificar o Senhor; que o espírito de Maria esteja em cada um para aí regozijar-se em Deus”[7] (cf. Lc 1, 46-55). São Luís Maria ansiava por esse tempo, no qual Nossa Senhora reinará nos corações dos seus verdadeiros devotos:
Ah! quando virá este tempo feliz em que Maria Santíssima será estabelecida Senhora e Soberana nos corações, para submetê-los plenamente ao império de seu grande e único Filho Jesus Cristo? Quando chegará o dia em que as almas respirarão Nossa Senhora, como o corpo respira o ar? Então, coisas maravilhosas acontecerão neste mundo, onde o Espírito Santo, encontrando sua querida Esposa como que reproduzida nas almas, a elas descerá abundantemente, enchendo-as de seus dons, particularmente do dom da sabedoria, a fim de operar maravilhas de graça. Meu caro irmão, quando chegará esse tempo feliz, esse século de Maria, em que inúmeras almas escolhidas, perdendo-se no abismo de seu interior, se tornarão cópias vivas de Maria, para amar e glorificar Jesus Cristo? Esse tempo só chegará quando se conhecer e praticar a devoção que ensino: “Ut adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariae – Para que venha o Vosso Reino, ó Jesus, venha o Reino de Maria!”[8].
A santa escravidão e a transformação das almas em Maria à imagem de Jesus
Se a Virgem Maria, que é a árvore da vida, for bem cultivada em nossa alma pela fidelidade às práticas desta devoção, ela dará fruto em seu tempo; e seu fruto não é outro senão Jesus Cristo.
Muitos devotos buscam Jesus Cristo, por vias e práticas diversas, e muitas vezes depois de muito trabalhar durante a noite, podem dizer: “Per totam noctem laborantes, nihi cepimus – Trabalhamos a noite inteira, nada apanhamos” (Lc 5, 5). E podemos responder-lhes com as palavras do profeta Ageu: “Laborastis multum, et intulistis parum – muito trabalhastes e pouco ganhastes” (Ag 1, 6)[9]. Isto acontece porque Jesus Cristo está ainda muito fraco em nós. Mas, pelo caminho imaculado de Maria e por esta prática divina que ensina São Luís Maria, trabalhamos durante o dia, num lugar santo, e trabalhamos pouco. Isto porque em Maria não há noite, pois ela jamais pecou, nem teve sequer a sombra dum pecado. Nossa Senhora é um lugar santo, o Santo dos santos, onde se formam e modelam os santos.
Há grande diferença entre fazer uma figura em relevo usando martelo e cinzel, e fazê-la por um molde. Os escultores e estatuários têm de esforçar-se muito para fazer uma figura da primeira maneira, e gastam muito tempo. Mas da segunda forma, trabalham pouco e terminam em pouco tempo.
Santo Agostinho chama a Santíssima Virgem “forma Dei – fôrma de Deus” ou molde de Deus: “Si formam Dei te appellem, digna exsistis – Sois digna de ser chamada o molde de Deus”[10], o molde próprio para formar e moldar santos. Pois, aquele que é lançado nesse molde divino, que é a Virgem Maria, fica em breve formado e moldado em Jesus Cristo, e Jesus Cristo nele. Facilmente e em pouco tempo, ele se tornará deus, pois foi lançado no mesmo molde que formou o Filho de Deus.
Podemos muito bem comparar diretores espirituais e pessoas devotas – que pretendem formar Jesus Cristo nos outros ou em si mesmos por meio de práticas diferentes destas – a escultores que, depositando toda a confiança na própria perícia, conhecimento e arte, dão uma infinidade de marteladas e embotam o cinzel numa pedra dura, ou numa madeira rígida, para fazer a imagem de Jesus Cristo. Às vezes não conseguem dar expressão natural ao Filho de Maria, por falta de conhecimentos ou devido a algum golpe desastrado, que prejudica toda a obra.
Aqueles que abraçam a consagração ou escravidão de amor são comparáveis a fundidores e moldadores que – tendo encontrado o belo molde da Virgem Maria, no qual Jesus Cristo foi natural e divinamente formado, sem confiar na própria habilidade, mas unicamente na eficiência e perfeição do molde – lançam-se e perdem-se em Maria para se tornarem o retrato natural de Jesus. No entanto, lembremo-nos que só é colocado no molde o que está fundido, em estado líquido, isto é, que é necessário destruir e fundir em nós o velho Adão, para que venhamos a ser o novo Adão (cf. 1 Cor 15, 45) em Maria.
A consagração de amor e a maior glória de Jesus Cristo
Pela consagração, fielmente observada, daremos a Jesus Cristo mais glória em um mês, do que por qualquer outra, embora mais difícil, em muitos anos. Segundo São Luís Maria, isso se dá pelas seguintes razões:
1) Porque, fazendo nossas ações pela Santíssima Virgem, como ensina esta devoção, abandonamos nossas próprias intenções e operações, ainda que boas e conhecidas, para nos perder, por assim dizer, nas de Nossa Senhora, embora as desconheçamos. Dessa forma, começamos a participar da sublimidade de suas intenções, que foram tão puras, que ela deu mais glória a Deus, pela menor das suas ações, por exemplo, fiando na sua roca ou dando um ponto de agulha, do que São Lourenço estendido na grelha, por seu cruel martírio, e mesmo que todos os santos por suas mais heroicas ações. Durante sua vida neste mundo, Maria Santíssima conquistou tal soma inefável de graças e méritos que seria mais fácil contar as estrelas do firmamento, as gotas d’água do mar e os grãos de areia das praias, do que contar as suas conquistas. A Virgem deu mais glória a Deus que todos os anjos e santos juntos. “Ó prodígio de Maria! vós só podeis realizar prodígios de graça nas almas que querem de boa mente abismar-se em vós”[11];
2) Porque, pela consagração, consideramos nada tudo o que pensamos ou fazemos por nós mesmos, e colocando todo o nosso apoio e complacência nas disposições de Nossa Senhora, para aproximar-nos de Jesus Cristo e até para falar-Lhe, praticamos mais humildade que as pessoas que agem por si mesmas, que se apoiam e comprazem nas próprias disposições. Consequentemente, a Virgem Maria glorifica mais altamente a Deus, que só é glorificado perfeitamente pelos humildes e pequenos de coração;
3º Porque a Santíssima Virgem, por sua grande caridade, recebendo em suas mãos virginais o presente de nossas ações, dá a elas beleza e brilho admiráveis. Além disso, ela mesma as oferece a Jesus Cristo, e Nosso Senhor é assim mais glorificado que se nós as oferecêssemos por nossas mãos criminosas;
4º Porque nunca pensamos em Maria, sem que ela, em nosso lugar, pense em Deus. Nunca a louvamos, nem honramos, sem que ela conosco louve e honre a Deus. Nossa Senhora está toda em conexão com Deus e com toda a propriedade podemos chamá-la a relação de Deus, que só existe em referência a Deus, o eco de Deus, que só diz e repete Deus. Santa Isabel louvou a sua Prima e chamou-a bem-aventurada, porque ela creu, e a Virgem Maria, o eco fiel de Deus, entoou: “Magnificat anima mea Dominum – Minha alma glorifica o Senhor” (Lc 1, 46). O que fez nessa ocasião, a Mãe de Deus faz todos os dias. Quando a louvamos, amamos, honramos ou lhe damos algo, Deus é louvado, amado, honrado, e é a Deus que damos, por Maria e em Maria.
Estes maravilhosos efeitos acontecerão em nossas almas se nos tornarmos fiéis às práticas interiores e exteriores da consagração ou escravidão de amor a Jesus Cristo e a Virgem Maria. Sendo assim, não percamos mais tempo e procuremos conhecer esta preciosa devoção, este segredo de santidade e demos os passos necessários para nos consagrar. Neste Ano Nacional Mariano, estreitamente ligado ao Ano Mariano de Portugal, entreguemos as nossas vidas a Jesus Cristo, pelas mãos maternas da Virgem Maria, para que por ela sejamos formados à imagem de seu Filho.
Links relacionados:
TODO DE MARIA. A consagração a Maria como escola espiritual.
TODO DE MARIA. O consagrado a Maria pode pedir em suas orações?
TODO DE MARIA. Por que nos consagrar no Ano Mariano?
Referências:
[1] SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem, 213.
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