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O que significa ser escravo de Maria?


Saiba o significado de nos fazer escravos de Maria Santíssima e se essa devoção não se opõe à nossa amizade com Deus.
Ser escravos significa primeiramente entrar num caminho de perfeição, elevando nosso grau de dependência de nosso Senhor Jesus Cristo e da Santíssima Virgem Maria. Como dissemos em artigos anteriores, todos os homens são servos de Nossa Senhora por natureza. Este é o primeiro grau de dependência. Pelo sacramento do Batismo, nos tornamos filhos de Maria. Dessa forma avançamos para o segundo grau de dependência. Não satisfeitos com laços ordinários que nos unem a Mãe de Deus como criaturas e como cristãos, desejamos confirmar este estado de dependência, entregando-nos amorosa e radicalmente a ela, sem reservas, nem restrições.
Saiba o significado de nos fazer escravos de Maria Santíssima e se essa devoção não se opõe à nossa amizade com Deus.
Anunciação do Anjo a Virgem Maria
Ser escravo é o primeiro grau na consagração voluntária à Santíssima Virgem. Este é o fundamento dos outros graus da consagração, que está em conformidade com a palavra do Evangelho: “…aquele que se humilhar será exaltado” (Mt 23, 12b). Devemos humilhar-nos diante de Nossa Senhora, para que ela nos eleve até Jesus. Em outras palavras, devemos fazer-nos seus escravos, para que ela nos eleve como filhos muito amados. Não há nada de mais inferior, insignificante, nem de mais humilde do que o escravo.
O que é a escravidão de amor a Santíssima Virgem?
Antes de dizer o que é a escravidão de amor a Nossa Senhora, em primeiro lugar vejamos o que é a escravidão de modo geral. A escravidão é a dependência total e absoluta de uma pessoa para com seu senhor. O escravo não se pertence mais, mas passar a ser “coisa e propriedade” de quem o possui. Ele está sob o poder absoluto de seu dono, que pode servir-se dele como quiser, em proveito próprio. O escravo pertence totalmente e para sempre ao seu dono, com tudo o que possui, sem exceção nenhuma. Ele trabalha sem direito de exigir um salário. Seu senhor tem todo o direito sobre ele, podendo decidir sobre sua vida e morte. Este é o modo mais radical de escravidão, que infelizmente ainda existe em todo mundo, principalmente nos países dominados pelo islamismo e pelo comunismo. No entanto, apesar da imoralidade da escravidão, ela pode servir como um bom exemplo de dependência total, próprio da espiritualidade da consagração a Jesus Cristo, pelas mãos da Virgem Maria.
O servo, ao contrário do escravo, é livre e presta seus serviços por um salário, durante um tempo determinado. Além disso, normalmente o empregado tem o direito de exigir um salário digno, conforme as suas necessidades e até mesmo de escolher outro patrão, caso o atual não esteja do seu agrado. Com esta simples definição, verificamos que não somos simplesmente servos de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, mas verdadeiramente seus escravos.
Notemos que a escravidão de amor não é uma fórmula nova, suspeita ou inspirada por uma devoção repleta de entusiasmo sentimental, próprio dos principiantes. A escravidão é o pensamento fundamental da religião, que tem suas raízes no santo Batismo. Nele, rompemos com o jugo da escravidão do pecado, do mundo e do demônio, para sermos escravos de Jesus Cristo (cf. 1 Cor 7, 23; Rm 6, 20-22). A escravidão é o que há de mais radical de entrega em nossa relação com Jesus Cristo.
São Luís Maria nos ensina que há três espécies de escravidão, ou pelo menos, três títulos que expressam esta dependência do gênero humano para com Deus: 1) A escravidão por natureza. Todas as criaturas são escravas de Deus neste sentido; 2) A escravidão por constrangimento, ou coação, em que alguém é reduzido à servidão, seja por violência, seja por uma lei justa ou injusta. Tal é a escravidão dos demônios e dos réprobos; 3) A escravidão por amor, ou por livre vontade. Nesta, escolhemos Deus e o seu serviço acima de todas as coisas, mesmo que a natureza não nos obrigue a isso1. “Em resumo, e como aplicação destas três espécies de escravidão: todas as criaturas são escravas de Deus pelo primeiro modo; os demônios e réprobos, pela segunda; os justos e santos, pela terceira”2.
Na prática, a consagração, ou escravidão de amor, a Jesus pelas mãos de Maria não é outra coisa, senão a confirmação, por livre vontade, do que nós já somos chamados por natureza, isto é, para a glória e a felicidade dos justos e santos.
Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo sobre “A escravidão dos filhos de Deus”:
O significado dos termos servo e escravo
O sentido atual da palavra servo é diferente do tempo da vida terrena de Jesus Cristo. Naquele tempo, usava-se o termo “servus”, servo em latim, no sentido de escravo. Para empregados, a palavra latina usada era “mercennariis”, que significa empregado ou contratado. Esta é a palavra usada na passagem do chamado de Tiago e João: “Et, relicto patre suo Zebedaeo in navi cum mercennariis, abierunt post eum”; que se traduz assim: “Eles deixaram na barca seu pai Zebedeu com os empregados e o seguiram” (Mc 1, 20). Por isso, devemos tomar no sentido de escravos as palavras latinas: servus – ancilla, que aparecem em diversas passagens das Sagradas Escrituras.
Vejamos algumas passagens bíblicas, nas quais aparece a palavra servo, que devemos interpretar com o significado de escravos: os profetas chamam o Messias de servo de Deus, em latim “Servus Dei” (Dn 6, 21; 9, 11); o apóstolo São Paulo nos ensina que Jesus Cristo tomou a aparência do servo – “formam servi accipiens” (Fl 2, 7); no mistério da Anunciação, a Virgem de Nazaré se intitula: “a serva do Senhor” – “ancilla Domini” (Lc 1, 38); o Apóstolo dos gentios dá a si mesmo o nome de servo de Deus: “Paulus servus Dei” (Tt, 1, 1). Em todas essas passagens, emprega-se as palavras latinas: servus – ancilla no sentido de escravo.
A imprecisão na tradução da Bíblia por vezes não nos ajuda a compreender o sentido original to texto, que quis comunicar o escritor sagrado. A palavra escravo em grego: δοῦλος – doulos, traduz-se em latim por: servus, e em português significa escravo. No entanto, a mesma palavra: doulos, em grego, e servus, em latim, é traduzida, na maioria das vezes, por servo; e no seu sentido correto, que é escravo, poucas vezes.
Vimos acima, em várias passagens, que a palavra latina servus é traduzida por servo. Agora vejamos algumas passagens do mesmo texto sagrado, nas quais a palavra servus é traduzida por escravo. A respeito da condição dos fiéis em sua época, São Paulo pergunta: “Servus vocatus es?”. Esta mesma passagem é traduzida por: “Eras escravo, quando Deus te chamou?” (1 Cor 7, 21). Isto pode até nos escandalizar, mas o Apóstolo dos gentios diz “qui liber vocatus est, servus est Christi!”, ou seja, “quem era livre por ocasião do chamado, fez-se escravo de Cristo” (1 Cor 7, 23). Em outra passagem, o próprio Cristo nos fala da grandeza de se fazer escravo: “et, quicumque voluerit inter vos primus esse, erit vester servus”, que se traduz por: “E o que quiser tornar-se entre vós o primeiro, se faça vosso escravo” (Mt 20, 27). O Senhor disse isso e deu o exemplo, porque foi a primeiro a se rebaixar, fazendo-se semelhante aos homens: “sed semetipsum exinanivit formam servi accipiens – “mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo” (Fl 2, 7).
A exemplo de Jesus Cristo, muitos santos se fizeram escravos: “‘Sou a escrava de Cristo – dizia Santa Ágata – e por este título me declaro de condição servil’. ‘Para ser devoto escravo do Filho – escreveu Santo Ildelfonso – suspiro por tornar-me fiel escravo da Mãe’.
E São Bernardo: ‘Sou um vil escravo, para quem é honra demais servir, como tal, o Filho de Maria’”3. Assim falaram também muitos outros santos, piedosos, sábios, como São Pedro Damião, Santa Teresa, São João Eudes. Orações como a de Santo Inácio de Loyola: “Recebei, Senhor, minha liberdade”, bem como a do Padre Zucchi: “Ó minha soberana…”, são fórmulas expressas da santa escravidão a Jesus e a Maria. Estas e outras fórmulas de consagração foram aprovadas pela Santa Sé. O Papa Urbano VIII, no ano de 1636, aprovou os Cônegos do Espírito Santo, que se consagraram a Jesus e Maria na qualidade de escravos. Dois séculos depois, o Papa Leão XIII, em 1887, aprovou também os “Escravos do Sagrado Coração”, e enriqueceu com indulgências a congregação inspirada por Jesus Cristo a Santa Margarida Maria de Alacoque, que assim declara sua entrega total: “Quero fazer consistir toda a minha felicidade em viver e morrer como sua escrava”4.
Assista ou ouça programa do Padre Paulo Ricardo com o tema “Empregados ou escravos?”:
A escravidão e a amizade com Deus
A santa escravidão não está em oposição com o espírito de infância e de amor que anima o cristianismo. O Senhor Jesus disse: “Iam non dico vos servos, quia servus nescit quid facit dominus eius; vos autem dixi amicos, quia omnia, quae audivi a Patre meo, nota feci vobis”; vemos nesta passagem novamente a palavra servus traduzida por servo, e não por escravo: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai” (Jo 15, 15). O fato de Cristo ter nos chamado de amigos e não de escravos nada prova contra a consagração. Pois, quando um príncipe, pela amizade que tem para com um de seus escravos, concede-lhe inúmeros benefícios e o chama de amigo, mas não o tira do estado em que se encontra, ele não deixa de ser escravo, apesar da amizade do príncipe. O senhor poderia libertar seu escravo. Todavia, Deus não pode nos libertar, pois a escravidão em relação a Ele está essencialmente ligada à nossa condição de criaturas. Servindo-nos da comparação acima, como o escravo feito amigo de seu príncipe, nós também nos tornamos amigos de Jesus, sem deixar de ser escravos.
A história do Brasil, mal contada em nossos dias, e os abusos de muitos senhores para com seus escravos desacreditaram a palavra escravidão. Por isso, ao propagar a ideia de nossa escravidão para com Deus, certamente rejeitamos a opressão de muitos senhores para com seus escravos e a falta de dignidade com que eram tratados. Entretanto, estas circunstâncias acidentais, de modo algum caracterizam a essência da condição de escravos. Se na antiguidade houve maus senhores, houve também os bons, do mesmo modo que atualmente há bons e maus patrões.
Nós que, por vezes, nos gloriamos de ser “escravos” do dever, da honra, de uma beleza passageira, não devemos nos envergonhar de ser escravos de Deus, de Jesus Cristo, e da beleza eterna da Santíssima Virgem. Pois, o Filho de Deus e a Virgem Maria estão infinitamente acima de todas as coisas passageiras deste mundo. Estas, muitas vezes nos atraem para o que é ilícito, imoral, pecaminoso, enquanto que a beleza de nossa Mãe santíssima nos atrai para seu divino Filho e para as coisas do alto (cf. Cl 3, 1). Dessa forma, a escravidão a Nossa Senhora é um meio excelente de nos colocar em verdadeira amizade com Jesus Cristo, nosso Deus e Senhor.
A lógica evangélica da consagração: quem se humilhar será exaltado
Lembremo-nos que nosso Mestre e Senhor nos ensinou que, na lógica do Reino de Deus, o que nos eleva e transfigura é a humilhação: “qui se humiliaverit, exaltabitur” – “aquele que se humilhar será exaltado” (Mt 23, 12b). Recordemo-nos também que a mesma lógica vale no sentido contrário: “Qui autem se exaltaverit, humiliabitur” – “Aquele que se exaltar será humilhado” (Mt 23, 12a). Nesta lógica, apresentada a nós por Jesus Cristo, quanto mais profundamente nos humilharmos, tanto mais seremos exaltados. Por isso, se desejamos crescer na intimidade com Deus, abaixemo-nos até o último grau, tornando-nos seus escravos. Foi isto que o Senhor ensinou aos discípulos: “o que entre vós quiser ser o primeiro, seja escravo de todos” (Mc 10, 44).
Vejamos como esta lógica do Evangelho de Jesus Cristo está presente no pensamento de São Luís Maria Grignion de Montfort, o grande Apóstolo de Nossa Senhora, no seu clássico livro “Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem”:
Depois de ler quase todos os livros que tratam da devoção à Santíssima Virgem e de conversar com as pessoas mais santas e instruídas destes últimos tempos, declaro firmemente que não encontrei nem aprendi outra prática de devoção à Santíssima Virgem semelhante a esta que vou iniciar, que exija de uma alma mais sacrifícios a Deus, que a despoje mais completamente de seu amor-próprio, que a conserve com mais fidelidade na graça e a graça nela, que a una com mais perfeição e facilidade a Jesus Cristo, e, afinal, que seja mais gloriosa para Deus, santificante para a alma e útil ao próximo5.
Meditemos sobre a sublimidade desta escravidão de amor a Jesus Cristo pelas mãos da Virgem Maria e peçamos a Deus a compreensão dessa devoção, pois esta é um segredo, que não é revelado senão às almas humildes e generosas.
Oração de Santo Inácio de Loyola
Tomai, Senhor, e recebei toda a minha liberdade, minha memória, minha inteligência e toda a minha vontade, tudo o que tenho e possuo.
De vós recebi; a vós, Senhor o restituo. Tudo é vosso; disponde de tudo inteiramente, segundo a vossa vontade. Dai-me o vosso amor e graça, que esta me basta6.
Natalino Ueda, escravo inútil de Jesus por Maria.
Links relacionados:
PADRE PAULO RICARDO. Servos e amigos de Deus.
Referências:
1 Cf. SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem, 70.
3 Idem, p. 55.
4 Idem, ibidem.
5 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Op. cit., 118.
6 CATÓLICO ORANTE. Santo Inácio de Loyola.

Natalino Ueda é brasileiro, católico, formado em Filosofia e Teologia. Na consagração a Virgem Maria, segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort, explicado no seu livro “Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem”, descobriu o caminho fácil, rápido, perfeito e seguro para chegar a Jesus Cristo. Desde então, ensina e escreve sobre esta devoção, o caminho “a Jesus por Maria”, que é hoje o seu maior apostolado
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