Vamos entrar no maravilhoso mundo da espiritualidade franciscana. Quando lemos ou assistimos a um filme sobre a vida de Francisco de Assis, sentimos interiormente uma admiração, talvez um desejo profundo de experimentar o que viveu. Mesmo estando mais de oito séculos distantes da Assis da época do pobrezinho, somos afetados por seu comportamento. Nesse deixar ser ‘tocado’, ‘mexido’ já é um respingar da espiritualidade, pois este é o modo que começamos a encarar a nós mesmo e ao mundo a nossa volta, gerando comportamentos diferentes do usual. Desponta em nós uma sensibilidade para ver as coisas mais importantes da vida. Francisco é esse homem que foi instrumento de misericórdia de Deus para com o mundo. Conhecê-lo é uma oportunidade de deixar-nos contagiar pelo seu carisma.
Estes textos buscam entrar no ‘rio’, no ‘canal’ da espiritualidade franciscana. Pensemos com simplicidade. Não se trata de um desafio intransponível. A proposta é buscar ser ‘pobre’, ‘aberto’ para o que veremos a frente. “Não levemos nada pelo caminho: nem sacolas, nem alforje” (Cf. Lc 9,3). Estaremos livres para escutar, ler, reler Francisco falando a nós. Como uma mãe amorosamente fala a seus filhos. Vai ser uma experiência singular e o nascimento de um novo olhar sobre todas as criaturas.
Buscamos assim nas páginas seguinte, analisar (entendemos por isso não ‘interpretar’, mas ampliar, aprofundar) as Admoestações de Francisco de Assis. Elas estão distribuídas em 28 textos, a maior parte pequenos, contudo de profundidade.
As vinte e oito Admoestações são hoje vistas pelos autores como a magna charta de uma vida de fraternidade, o cântico da pobreza interior e o sermão da montanha franciscano. Trata-se de algumas “pérolas preciosas”, ricas de experiência espiritual, capazes de favorecer e promover ainda hoje a vida religiosa dos frades e de quantos se inspiram no ideal franciscano (CONTI, 2004, p. 266)
Logo, em apresentando a Espiritualidade Franciscana, se optou por comentar as Admoestações de Francisco de Assis. Faremos isso como que um trabalho de ‘garimpo’. Tal será feito tendo como chave uma leitura espiritual das Fontes Franciscanas. Como toda leitura desse porte, está a mercê de ressignificações e está sempre em construção, pois a própria dinâmica de amadurecimento humano-espiritual deve estar dentro dessa jovialidade: ser capaz de revisitar. É como um aprofundar em espiral. Por vezes passando no mesmo ponto de forma diferente.
Fazer uma introdução às Admoestações se faz necessária para uma melhor compreensão. Visto que já temos algumas bem significativas, como de Frei José Carlos Pedroso, como também dos tradutores da Edição Santo Antônio das Fontes Franciscanas. Tomei a liberdade de transcrever essa última aqui, na integra. Já que ela cumpre de forma modelar o objetivo desse trabalho. Vamos a ela:
“Sobre esse título, encontramos 28 pequenos escritos, redigidos e recolhidos, não se sabe bem ainda por quem, nem onde e nem quando. Os franciscanólogos, como Esser, porém não duvidam de que na origem dessas pequenas pérolas da Espiritualidade Franciscanas esteja a pessoa de Francisco. Mas, como teriam surgido esses opúsculos? Qual seria sua natureza e suas características? Qual sua importância para a Espiritualidade Franciscana? Talvez se possa dizer que as Admoestações são pequenas sínteses ou resumos das intervenções de Francisco nos famosos Capítulos de Pentecostes. Era aí, nesses encontros de toda a fraternidade, que o seráfico pai dava suas orientações e fazia suas exortações, como observam muito bem suas Legendas.
Uma vez que o âmago desta Regra e desta Vida é o Seguimento de Jesus Cristo, vivendo em obediência, em castidade e sem próprio, não é de se estranhar que todos esses textos, quase sempre, iniciem ou tenham como ponto de partida um dito do Evangelho. Diz o Senhor, é o princípio de quase todas as Admoestações. Igualmente, não é de estanhar que a grande preocupação, que perpassa todas elas, seja a de que os Irmãos mantenham o coração livre de toda e qualquer apropriação: libertos e expropriados de coisas e de si mesmos; de todo o tipo de poder ou autoridade; do próprio bem que o Senhor opera e faz por meio de cada um; do pecado dos Irmãos e da vanglória ao anunciar a própria palavra de Deus.
A partir da XIV Admoestação, excetuando-se a penúltima, todas iniciam com um Bem-aventurado, e refletem os temas fundamentais das Bem-aventuranças evangélicas. Dai o costume, também, de identifica-las como As Bem-aventuranças franciscanas.
A natureza e a importância desses opúsculos podem ser percebidas partindo do significado da própria palavra admoestação.
Os termos admoestação, ou admoestar, vêm do verbo latino admoneo que, entre outras coisas, significa fazer pensar, recordar, chamar a atenção sobre, advertir, convidar, convocar, animar, fortalecer, alguém na busca de seu projeto de vida. Como se trata de uma fala de Irmãos para Irmãos, isto é, de seguidores para seguidores de Jesus Cristo, as Admoestações sempre revelam a tonalidade de uma profunda corresponsabilidade e mútua pertença.
Na verdade, admoestar ou ser admoestado, como faz Francisco aos seus Irmãos, só é possível porque há entre eles o profundo e claro sentimento de uma comunhão afetiva e efetiva que brota da convocação comum e anterior a todos. Por isso, todos sentem-se responsáveis por um e mesmo mandato divino.
Portanto, podemos dizer que as Admoestações são apelos, convites e animações que Francisco faz e dirige aos Irmãos, a partir do profundo toque da inspiração originária e comum a todos. Por isso, as Admoestações sempre se revestem deuma tonalidade muito fraterna, paternal, forte e insistente. Seu objetivo é ajudar aos Irmãos a se manterem fiéis à convocação comum que vem da inspiração originária da Ordem.
Consequentemente, o segredo da leitura das Admoestações está na fidelidade à afeição do mistério do encontro e do Amor do Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo com o próprio leitor. Segundo as características e as exigências de tal fidelidade e vida.
Diante do Deus-Amor, tão apaixonado por nós, seus filhos, Francisco não cessa de conclamar-nos para que imitemos a Jesus e reconheçamos a boa aventura de sua Encarnação-Paixão e Morte de cruz que Ele nos mereceu. Por isso, expressões como: Vejamos e creiamos firmemente... bem-aventurados... perpassam quase todos esses pequeninos textos: as Admoestações de São Francisco. (Dos tradutores. Editora Mensageiro Santo Antônio, 2005, p. 87-88).
Aqui nesta introdução já deparamos como o modo de refletir franciscano. Vemos que o entendimento das Admoestações só é capitado por aqueles, na ação do Espírito, que estão no discipulado: no seguimento de Jesus Cristo. Ele é o princípio e Fonte. Estar nesse caminho é adentrar nas Bem-aventuranças. Vimos que as Admoestações, muito além de somente chamar atenção, é uma voz que surge lá do meio do ‘Caminho’, do ‘discípulo engajado’. Fala-se de dentro, do movente vigoroso da graça e da resposta.
Pensemos bem: se são falas de Francisco de Assis ou mesmo algumas compilações delas, feitas por outros durante os capítulos dos frades, imaginemos que riqueza temos perante nós, em nossas mão. Não simplesmente por que foram ditas pelo homem Francisco, mas são palavras, ‘orientações’, ‘admoestações’ realizadas na própria Fonte do Mistério que moveu o pobrezinho de Assis. Olhando-A e observando a resposta do discípulo temos diante de nós os ‘sinais’, as ‘setas’ e as possíveis sendas que se descortinam diante de nós. Estudar, meditar, garimpar tais vestígios é nos possibilitar adentrar na ‘corrente’, no ‘rio’ dessa graça que passa bem ai pertinho de nós.
Dividiremos estas reflexões em capítulos. Cada um dos texots em forma de artigos contemplando cada Admoestações. Por fim se faz uma conclusão sobre a importância do debate constante sobre a espiritualidade franciscana para nosso mundo. Um homem que apontou nova forma de vida que é atual até nossos dias.
Com tal espírito recorramos a estas fontes para que possamos alimentar nossa vida na verdadeira Vida que germinou em Francisco e em seus primeiros companheiros. E lembremos que:
As Admoestações são importantes não somente pelo seu ensinamento espiritual, mas também porque revelam os traços característicos da personalidade de Francisco e nos ajudam a descobrir nele alguém que possui o carisma do “discernimento dos espíritos” (CONTI, 2004, p. 266).
Vamos a ‘Obra’. Que o Espírito seja nosso guia. Amém.
Publicado por Frei Edson Matias Dias
http://www.capuchinhos.org.br/artigos/detalhes/franciscanismo/introducao-as-admoestacoes-de-sao-francisco-1
REFERENCIAS
FONTES FRANCISCANAS. Santo Andre/SP: Editora Mensageiro de Santo Antônio. 2005.
CONTI, Martinho. Estudos e Pesquisas sobre o Franciscanismo das Origens. Petrópolis: Vozes, 2004.
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