“Se me amais, observareis os meus mandamentos” (S. João, XIV, 15).
Por Padre Élcio Murucci | FratresInUnum.com
“Nós nos demoramos aqui a recordar convosco, amados filhos, este ensinamento ininterrupto da Igreja, não só para que vejais, quase diríamos sintais, como os fatos da Cova da Iria estão dentro da mais genuína tradição católica, mas, sobretudo, sendo relegadas ao esquecimento, pois que delas não se gosta de ouvir falar, por motivos que abaixo exporemos. No entanto, nada mais salutar do que a meditação de tais verdades. Insistimos, pois, sobre as mesmas, porque a tanto Nos obriga o dever de zelar pela salvação eterna de Nossas ovelhas, e, outrossim, porque Nos parece falha qualquer comemoração de Fátima que a não ponha em plena luz.
Não há dúvida, o recordá-las o Altíssimo na Cova da Iria foi uma dessas manifestações da inefável misericórdia com que Deus persegue os pecadores, porque não quer que morram, mas sim que se convertam e vivam (cf. Ez. 33, 11).
Falta de atenção às advertências de Nossa Senhora Infelizmente, é menor a vontade dos pecadores de se salvarem. Os pedidos de Nossa Senhora não foram ouvidos. Após a primeira desoladora conflagração mundial, “não cessaram de ofender a Deus”, e veio a outra guerra pior ainda, mais atroz, mais devastadora, na qual, segundo a palavra de Jacinta, grande parte dos que morreram foram para o inferno.
Não obstante, a punição não serviu para a cura. Todo o mundo hoje tem pavor de um novo conflito universal, mas esquece-se de que a guerra foi castigo dos pecados, e volta novamente para uma vida animada pelo desejo desenfreado dos prazeres, onde domina a paixão impura. E já não se limitam os indivíduos a cevarem-se no vício da carne; a sensualidade irrompe dos aglomerados urbanos para os campos e infecciona toda a sociedade. [Hoje, depois de 50 anos, já se chegou ao auge da iniquidade: legalização de pecados e de pecados horrendos, aqueles que bradam aos Céus pedindo vingança: legalização do aborto, de uniões civis de pessoas do mesmo sexo, a ideologia de gênero etc.].
Resulta do fato larga e nefasta consequência. Por uma disposição da psicologia humana, não suporta o homem, longo tempo, contradição entre o modo de agir e a maneira de pensar. O indivíduo ou procede como pensa, ou termina pensando de acordo com seu procedimento. De sorte que, por inelutável exigência psicológica, numa sociedade engolfada na sensualidade, começam os homens a perder a noção do bem e do mal, e a criar para si uma moral subjetiva que lhes não censure a conduta irregular. Daí a ojeriza a tudo que lhe avive a consciência do estado moralmente deplorável.
Por isso a sociedade de hoje não tolera que se lhe fale do inferno, que se lhe lembre que o demônio existe e é o Príncipe deste mundo. Como gostaria que tudo isso não passasse de ilusões, quer viver como se nada disso tivesse consistência. Faz como a avestruz que esconde a cabeça para não ver o perigo.
Dessoramento da moral católica
Daí, outrossim, o ressurgimento, e com maior desfaçatez, da moral-nova, condenada por Pio XII, e sobre a qual advertimos Nossos caríssimos filhos em Carta Pastoral de 6 de janeiro de 1953. Na sua atual apresentação, a moral-nova se volta especialmente contra os conceitos tradicionais de virtude e vício, envolvidos no sexto e nono preceitos do Decálogo. E há, nos meios católicos, quem não enrubeça de sustentar hoje como erotismo normal, ao lado de outras, as aberrações indelevelmente estigmatizadas no castigo tremendo com que a Providência consumiu a Sodoma e Gomorra. Quanto ao casamento, pretextando uma sua nova e mais alta visualização, tiram-lhe a nobreza do sacrifício que dele faz uma instituição ordenada a colaborar com a onipotência criadora de Deus. Os filhos não os consideram mais a alegria do lar, e sim um fardo pesado e indesejável. Triunfa o egoísmo, diante do qual cambaleiam a unidade e indissolubilidade do casamento, e há uma criminosa indulgência para com o vício solitário.
A imodéstia nos trajes e a falta de seriedade nas maneiras coincidem com a grosseria do espírito.
De acordo com a profecia de Nossa Senhora em Fátima, a radicalização do pecado no mundo traria como castigo, além da guerra, o fato de que a Rússia espalharia seus erros por toda a parte. É ao que assistimos, na ordem política, econômica e social, onde já vão dominando por todo o orbe os princípios materialistas do comunismo. Não obstante, para o triunfo pleno deste na terra inteira, impõe-se a demolição da Igreja, único baluarte sério que ainda lhe pode opor resistência. A demolição da Igreja, é a demolição de sua doutrina, parte essencial da obra de Jesus Cristo.
Tão essencial, que o Apóstolo maldiz aqueles que procuram perverter-lhe o sentido. Na Carta ao Gálatas, lança anátema sobre os falsificadores do Evangelho: “Se alguém -escreve energicamente – nós ou um Anjo baixado do Céu, vos anunciar um evangelho diferente do que vos temos anunciado, seja anátema” (1, 9).
Desarticulação da doutrina da Igreja
Os desvios da moral-nova, que apontamos acima, já fazem parte de um dessoramento do Evangelho que a Igreja sempre nos ensinou. No entanto, a desarticulação da doutrina católica que notamos em mestres, que se arvoram em renovadores do Cristianismo na Igreja, é mais profunda. Diríamos que um senso de erro e pecado invadiu a sociedade e infecciona também meios católicos. Como, quer o relaxamento moral, a que acima aludimos, quer os erros de doutrina, espalham-se rapidamente, pelo mundo inteiro, graças à facilidade das comunicações modernas, julgamos de Nosso dever alertar-vos, caríssimos filhos, não venha a criar-se no vosso espírito uma mentalidade cristã falsa, contrária ao Evangelho de Jesus Cristo.
A noção de pecado e amor de Deus
Assim, um dos pontos que os fautores do novo cristianismo ignoram é o pecado, porquanto – dizem – o fiel deve ser formado no amor e não no temor servil. Ao menos evite-se a expressão “pecado mortal”, para não parecer algo de definitivo, para não traumatizar a criança. O mesmo se diga da distinção entre pecado mortal e pecado venial, que cria uma casuística que mirra o amor.
Não há dúvida de que o modelo a ser apresentado a todo fiel, para sua formação, seja qual for sua idade, é a Pessoa adorável de Jesus Cristo, cujo amor ardente se deve inculcar ao cristão desde os primeiros anos. Essa norma, no entanto, não só não pede que se evite falar sobre o pecado, como se torna falha, inoperante, se omitir semelhante noção.
De fato, como formar o coração da criança, a vontade do adulto no amor divino, sem ensinar-lhes que esse amor pede uma conformação da própria vontade com a vontade de Deus? E como conformar a vontade própria com a do Altíssimo, se não se sabe o que Ele quer, o que Lhe agrada e o que Lhe desagrada, ou seja, o que Ele manda e o que Ele proíbe? O próprio amor divino, está a exigir que Deus nos diga o que deseja que façamos, e, consequentemente, o que não quer que pratiquemos. Santa Maria Goretti deu certamente a maior prova de amor a Deus Nosso Senhor. O próprio Jesus Cristo o declarou quando disse que “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo, 15,13). Ora, o que levou essa menina de seus doze anos ao martírio? – A fuga do pecado. Ao sedutor que a impelia ao ato mau, opunha: – Não. É pecado! Perguntamos, como poderia essa virgem mostrar tão grande amor a Nosso Senhor se não tivesse a noção de pecado? Se não soubesse distinguir o que Deus não quer que se faça?
A noção de pecado é, pois, indispensável para a formação da própria caridade com que devemos amar a Deus sobre todas as coisas. Sem essa noção, é impossível dar uma ideia do que seja virtude e do que seja vício. Em outras palavras, é impossível distinguir entre o bem e o mal, é impossível qualquer formação moral.
É, pois, de todo necessária para a formação católica uma noção exata do pecado. E não vemos porque se deva evitar a expressão “pecado mortal”, quando o pecado que ela designa dá de fato a morte à alma, tanto assim que uma pessoa que morra em estado de pecado mortal não se salva, vai para o inferno. Temos falado sempre de pecado, sem nenhum adjetivo, porque, no sentido estrito da palavra, pecado é só o mortal. Este, com efeito, é que envolve uma desobediência deliberada a uma ordem positiva de Deus Nosso Senhor em matéria grave, encerra, portanto, uma preferência do homem de si mesmo, de sua vontade, com preterição da vontade de Deus. Nem por isso queremos significar que seja inútil, ociosa ou prejudicial a distinção entre pecado mortal e pecado venial. Muito pelo contrário, está ela fundada na debilidade da nossa natureza, capaz de atos incompletos, semideliberados, capaz de proceder como crianças que evitam o que as faça romper com seus pais, mas permitem-se muitas coisas que elas sabem que, embora desagradem, não chegam a destruir a amizade paterna. O conceito de pecado venial, aliás, serve, de um lado para evitar o desespero, e de outro para nos habituar à humildade, tão fracos somos que não alcançamos agradar a Deus absolutamente em todas as coisas, como o desejáramos.
Coincide com a maneira de pensar por Nós aqui reprovada a afirmação de que a confissão auricular não é nem necessária nem conveniente às crianças, e, mesmo para os adultos, só raramente deve ser admitida, porquanto para a absolvição basta a contrição. Dizemos, apenas, que toda esta maneira de conceber o Sacramento da Penitência não é católica. O Concílio Tridentino (Sess. XVI) reconhece a distinção entre pecado mortal e pecado venial, declara que, por imposição divina, devem ser confessados todos os pecados mortais, porquanto cada um deles deve ser submetido ao tribunal da penitência.
De maneira que se deve reprovar o costume de dar absolvição geral aos fiéis, sem primeiro ouvi-los em confissão auricular, sendo que a cada um julgará o confessor antes de absolvê-lo.
Se agora perguntarmos a quem interessa a dissolução do senso moral, não teremos dúvida em responder: ao comunismo. Logo, um dos meios de se opor ao avanço deste é dar uma noção viva do pecado, sem a qual, aliás, é impossível qualquer formação católica. Será, portanto, sempre necessário repetir aos fiéis as palavras de Jesus Cristo: “Si diligitis me mandata mea servate” (Jo. 14, 15) – “mandata”, isto é, ordens, leis, cujo conhecimento só é completo, e cuja observância só envolve caridade perfeita, quando se conhecem também quais os castigos que sofrerão os transgressores.
Não é, pois, preciso dizer que para nós, seres compostos de espírito e matéria, cujas ideias se formam através da sensibilidade, a noção de pecado só nos é completa quando avaliamos a enormidade deste pelos castigos pavorosos com que justamente o pune a Justiça divina. Uma formação religiosa que omitisse a exposição do inferno seria falha, não se poderia dizer católica.
Não há necessidade de salientar como se torna oportuno comemorar as aparições de Nossa Senhora em Fátima, na quais a Misericórdia divina veio ao encalço dos pecadores, fazendo-lhes sentir o peso de suas faltas através do espetáculo pavoroso do inferno” (Excerto da Carta Pastoral “SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FÉ E DOS BONS COSTUMES”, escrita pelo então Bispo de Campos, RJ, D. Antônio de Castro Mayer, em 1967].
Comentários
Postar um comentário