A perfeição consiste em cumprir a vontade de Deus, cada
um segundo sua vocação.
Istas, os mártires, os
pontífices e os doutores: é o humilde operário de Nazareth, o humilde
José. Os Apóstolos foram incumbidos de fazer com que os homens conhecessem
o Salvador, para pregar-lhes o Evangelho a fim de salvá-los. Sua missão, como a
de São João Batista, é da ordem da graça necessária a todos para a salvação.
Mas há uma ordem ainda superior à da graça.
É aquela que é constituída
pelo próprio mistério da Encarnação, ou seja, a ordem da união hipostática ou
pessoal da Humanidade de Jesus com o próprio Verbo de Deus. A esta ordem
superior se prende a missão singular de Maria, a maternidade divina e também,
de certa forma, a missão oculta de José. Este assunto foi exposto de diversas
maneiras por São Bernardo, São Bernardino de Siena, o dominicano Isidoro de
Isolanis, Suarez e muitos autores recentes.
Bossuet diz admiravelmente
no seu primeiro panegírico desse grande santo: “Dentre todas as vocações noto
duas, nas Escrituras, que parecem diametralmente opostas: uma é a dos
Apóstolos; a segunda, a de José. Jesus é revelado aos Apóstolos para que o
anunciem por todo o universo; e é revelado a José para que silencie e o
esconda. Os Apóstolos são luzeiros para mostrarem Jesus ao mundo inteiro. José
é um véu para encobri-lo; e sob esse véu misterioso oculta-se-nos a virgindade
de Maria e a grandeza do Salvador das almas. Aquele que glorifica os Apóstolos
concedendo-lhes a honra da pregação, glorifica José pela humildade do
silêncio”. A hora da manifestação do mistério do Natal ainda não era chegada,
essa hora deveria ser preparada por trinta anos de vida oculta.
A perfeição consiste em
cumprir a vontade de Deus, cada um segundo sua vocação. Mas a vocação toda
excepcional de José supera por certo, no silêncio e na obscuridade, a dos
maiores Apóstolos: pois ela se relaciona mais de perto com o mistério da
Encarnação redentora. José, depois de Maria, esteve mais próximo que ninguém do
próprio Autor da graça. Assim pois, no silêncio de Belém, durante a estadia no Egito
e na pequena casa de Nazaré ele terá recebido mais graças que jamais a qualquer
outro santo seria dado receber.
Qual a missão especial de José com relação a Maria?
Consistiu ela sobretudo em
preservar a virgindade e a honra de Maria, contraindo com a futura Mãe de Deus
um verdadeiro matrimônio, mas absolutamente santo. Conforme relata o Evangelho
de São Mateus (1, 20): “O anjo do Senhor, que apareceu em sonho a José lhe diz:
“José, filho de Daví, não temas receber Maria como tua esposa, pois o que nela se
gerou é obra do Espírito Santo”. Maria é perfeitamente sua esposa. Trata-se de
um matrimônio verdadeiro (cf. Santo Tomás, III, q. 29, a. 2), mas inteiramente
celeste e que devia ter fecundidade inteiramente divina. A plenitude inicial de
graça dada à Virgem em vista da maternidade divina fazia apelo em certo sentido
ao mistério da Encarnação. Conforme diz Bossuet: “A virgindade de Maria atraiu
Jesus do céu… Se sua pureza a tornou fecunda, não hesitarei, no entanto, em
afirmar que José teve sua parte nesse grande milagre. Pois tal pureza angélica,
apanágio da divina Maria, foi também o desvelo do justo José”.
Era a união sem mácula e
inteiramente respeitosa com a criatura mais perfeita que jamais existira, em
ambiente extremamente simples, qual o de um pobre artesão de aldeia. Assim,
José se aproximou mais intimamente do que qualquer outro santo daquela que é a
Mãe de Deus, daquela que é também a Mãe espiritual de todos os homens e dele
próprio José, daquela que é Co-Redentora, Mediadora universal, dispensadora de
todas as graças. Por todos esses títulos José amou Maria com o mais puro e
devotado amor; era de certo um amor teologal, porquanto ele amava a Virgem em
Deus e por Deus, por toda a glória que ela dava a Deus. A beleza de todo o
universo nada era em face da sublime união dessas duas almas, união criada pelo
Altíssimo, que encantava os anjos e ao próprio Senhor enchia de júbilo.
Qual foi a missão excepcional de José perante o Senhor?
Em verdade, o Verbo de Deus
feito carne foi confiado a ele, José, de preferência a qualquer outro justo
dentre os homens de todas as gerações. O santo velho Simeão teve o menino Jesus
em seus braços por alguns instantes e viu nele a salvação
dos povos – “lumen ad revelationem gentium” – mas José velou todas as horas,
noite e dia, sobre a infância de Nosso Senhor. Muitas vezes teve em suas mãos
aquele em quem via seu Criador e Salvador. Recebeu dele graças sobre graças
durante os vários anos em que viveu com ele na maior intimidade do dia-a-dia.
Viu-o crescer. Contribuiu para sua educação humana. Jesus lhe foi submisso. É
comumente chamado de “pai nutrício do Salvador”; porém em certo sentido foi
mais que isso, pois como nota Santo Tomás é acidentalmente que após o casamento
um homem se vem a tornar “pai nutrício” ou “pai adotivo”, enquanto que não foi
absolutamente de forma acidental que José ficou encarregado de zelar por Jesus.
Ele foi criado e posto no mundo precisamente para tal fim. Esta foi a sua
predestinação. Foi em vista de tal missão divina que a Providência lhe concedeu
todas as graças recebidas desde a infância: graça de piedade profunda, de
virgindade, de prudência, de fidelidade perfeita. Sobretudo, nos desígnios
eternos de Deus, toda a razão de ser da união de José com Maria era a proteção
e a educação do Salvador; Deus lhe deu um coração de pai para velar pelo menino
Jesus. Esta a missão principal de José, em vista da qual ele recebeu uma
santidade proporcionada a seu papel no mistério da Encarnação, mistério que
domina a ordem da graça e cujas perspectivas são infinitas.
Este último ponto foi bem
esclarecido por Mons. Sinibaldi em sua recente obra La Grandeza di San
Giuseppe, p. 33-36, na qual mostra que São José foi predestinado desde toda a
eternidade para tornar-se o esposo da Virgem Santíssima e explica, com Santo
Tomás, a tríplice conveniência dessa predestinação.
O Doutor Angélico a
demonstrou ao indagar (III q. 29, a. 1) se o Cristo deveria nascer de uma
virgem que tivesse contraído um verdadeiro casamento. E concluiu que devia ser
assim, tanto para o próprio Cristo, como para sua Mãe, e também para nós.
Isso convinha grandemente
ao próprio Nosso Senhor para que ele não fosse considerado, até que chegasse a
hora da manifestação do mistério do seu nascimento, como um filho ilegítimo, e
também para que ele fosse protegido em sua infância. Para a Virgem não era menos
conveniente, a fim de que ela não fosse considerada culpada de adultério e como
tal viesse a ser lapidada pelos judeus, conforme notou São Jerônimo, e ainda
para que ela própria fosse protegida em meio às dificuldades e à perseguição
que iria começar com o nascimento do Salvador. Foi outrossim, acrescenta Santo
Tomás, muito conveniente para nós, porquanto pelo testemunho insuspeito de São
José tomamos conhecimento da concepção virginal do Cristo: segundo a ordem das
coisas humanas, representou para nós esse testemunho um admirável apoio ao de
Maria. Enfim, era soberanamente conveniente para que nós encontrássemos em
Maria ao mesmo tempo o perfeito modelo das virgens como das esposas e mães
cristãs.
Explica-se assim, segundo
muitos autores, que o decreto eterno da Encarnação- estabelecendo a maneira
como hic et nunc esse fato se devia realizar e em quais circunstâncias
determinadas – envolva não somente Jesus e Maria mas também José. Desde toda
eternidade, com efeito, estava decidido que o Verbo de Deus feito carne
nasceria milagrosamente de Maria sempre virgem, unida ao justo José pelos laços
de um matrimônio verdadeiro. A execução desse decreto providencial é assim
referida em São Lucas (1, 27): “Missus est Angelus Gabriel a Deo, in civitatem
Galileae, cui nomen Nazareth, ad virginem desponsatam viro, cui nomen erat
Joseph, de domo David, et nomen virginis Maria”. [O Anjo Gabriel foi enviado
por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com
um varão por nome José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria].
São Bernardo chama São José
de “magni consilii coadjutorem fidelis simum” (coadjutor fidelíssimo do magno
conselho”).
Por isso é que Mons.
Sinibaldi, após Suarez e muitos outros, afirma, ibid., que o ministério de José
é em certo sentido confinante, em seu nível, com a ordem hipostática. Não que
José tenha cooperado intrinsecamente, como instrumentofísico do
Espírito Santo, para a realização do mistério da Encarnação, pois nesse
acontecimento seu papel é muito inferior ao de Maria, Mãe de Deus; entretanto,
ele foi predestinado para ser, na ordem das causas morais, o guardião da
virgindade e da honra de Maria, ao mesmo tempo que o protetor de Jesus menino.
É preciso precaver-se aqui contra certos exageros que falseariam a expressão
desse grande mistério; o culto devido a São José não vai além especificamente
do de dulia prestado aos outros santos, mas tudo faz pensar que ele merece
receber, mais do que todos os outros santos, esse culto de dulia. Por isso é
que a Igreja, em suas orações menciona o nome de José imediatamente após o de
Maria e antes do dos Apóstolos na oração A cunctis (a todos nós…), por meio da
qual se implora a proteção de todos os Santos. Se São José não é mencionado no
Canon da missa, há todavia para ele um prefácio especial e o mês de março lhe é
consagrado.
Num discurso pronunciado na
Sala Consistorial no dia da festa de São José, em 19 de março de 1928, S.S. Pio
XI comparava nestes termos a vocação de São José com a de São João Batista e
com a de São Pedro: “Fato sugestivo é ver-se sugirem, bem vizinhas e brilharem
quase contemporâneas, certas figuras tão magníficas. Primeiro, São João Batista
que se ergue no deserto com sua voz, ora grave ora suave, como leão que ruge e
como o amigo do Esposo, que se rejubila pela glória do Esposo, para afinal
oferecer à face do mundo a maravilhosa glória do martírio. Depois, Pedro que
ouve do divino Mestre estas sublimes palavras, pronunciadas também elas à face
do mundo e dos séculos: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha
Igreja; ide e pregai ao mundo inteiro”, missão grandiosa, divinamente
resplandecente. Entre essas duas missões aparece a de São José: missão
recolhida, calada, quase despercebida, que não se evidenciaria senão alguns
séculos mais tarde; um silêncio ao qual sucederia, mas muito tempo depois, um
sonoro canto de glória. Pois, onde mais profundo o mistério, mais espesso o véu
que o encobre, e maior o silêncio, é justamente ai que mais alta é a missão,
como mais brilhante o cortejo das virtudes exigidas e dos méritos requeridos
para, por feliz necessidade, com elas se conjugarem. Missão única, muito alta,
a de guardar o Filho de Deus, o Rei do mundo, e de guardar a virgindade e a
santidade de Maria; missão única, a de ter participação no grande mistério
ocultado aos olhos dos séculos, e de assim cooperar na Encarnação e na
Redenção! Toda a santidade de José consiste precisamente no cumprimento, fiel
até o escrúpulo, dessa missão tão grande e tão humilde, tão alta e tão
escondida, tão esplêndida e tão envolta em trevas”.
(Trecho de “Les trois ages
de la vie interieure”, trad. Permanência. publicado em Revista Permanência, Junho
de 77)
http://www.arautos.org/secoes/artigos/doutrina/sao-jose/a-missao-excepcional-de-sao-jose-2-140799
Comentários
Postar um comentário