AMBRÓSIO DE MILÃO
A FORMAÇÃO DE UMA VIRGEM E A PERPÉTUA VIRGINDADE DE SANTA MARIA
A EUSÉBIO[1]
Capítulo 1
O destinatário do Tratado. A oração e o silêncio fazem parte da identidade da virgem
consagrada.
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1. Commendas mihi pignus tuum, quod aeque est meum, Ambrosiam Domini sacram: et pio affectu eius tibi asseris praestantiorem reliqua sobole sollicitudinem. Et vere ita est apud mentem fidelem; caeteros enim instituis, ut emittas domo, atque alienis copules, istam semper tecum habebis: in caeteris quoque paternae uteris pietatis necessitudine; in hac ultra patrem procedis, votoque et studio progrederis, ut placeat Deo. Quae cum sit praestantior causa votorum; sola tamen solvat quidquid pro se et pro omnibus filiis debes.
2. Hoc est sacrificium quod Abel obtulit ex primitivis ovium suarum fetibus (Gen. IV, 4).Quod et Apostolus prae caeteris laudat, ad Corinthios dicens: «Quoniam qui statuit in corde suo firmus, et iudicavit in corde suo servare virginem suam, bene facit. Igitur et qui matrimonio iungit virginem suam, bene facit: et qui non iungit, melius facit» (I Cor. VII, 37, 38). Unde pulchre David cum descripsisset Ecclesiae gratiam, cuius omnis intus est gloria, non foris (in bonis enim cogitationibus, atque immaculato castitatis affectu, et sincerae proposito conscientiae summa est laus), subtexuit dicens: «Afferentur Regi virgines post eam» (Psalm. XLIV, 15). Et conversus ad dominum Patrem: «Proximae, inquit, eius afferentur tibi: afferentur in laetitia et exsultatione, adducentur in templum regis» (Ps. XLIV, 16).
3. Quae est proxima, nisi quae Christo propinquat, cui dicit Verbum: «Exsurge, veni, proxima mea, formosa mea, columba mea; quia ecce hyems praeteriit» (Cant. II, 10, 11)? Antequam Verbum Dei reciperet, hyems erat inhonora, sine fructu: ubi Verbum Dei recepit, et mundus ei est crucifixus, aestas est facta.Denique fervore sancti Spiritus vaporata, flos esse coepit, et spirare odorem fidei, fragrantiam castitatis, suavitatem gratiae.
4. Unde et alibi addit: «Oculi tui columbae extra taciturnitatem tuam» (Cant. IV, 1); eo quod tota spiritalis et simplex sicut columba, in cuius specie visus est a Ioanne descendere Spiritus sanctus, spiritalia videat, et noverit ea quae viderit tacere mysteria. Non enim mediocris virtus tacere; est enim et tempus tacendi, sicut tempus loquendi (Ecclo, III, 7), sicut et scriptum est: «Dominus dat mihi linguam eruditionis, ut sciam quando oporteat dicere sermonem» (Esai. L, 4).
5. Virginitatis itaque dos quaedam est verecundia, quae commendatur silentio. Ideo et Ecclesiae gloria intus est, non utique in multiloquio, sed in sensibus vel in penetralibus sacramentorum, sicut ipsa dicit ad Sponsum: «Quis dabit te fratrem mihi lactantem ubera matris meae? Inveniens te foris osculabor te, et quidem non spernent me. Assumam te, et ducam te in domum matris meae, et in secretum eius quae concepit me» (Cant. VIII, 1, 2). Et supra ait: Introduxit me rex in cubiculum suum (Cant. I, 3).
6. Foris osculatur Ecclesia Christum, et ab eo in cubiculum introducitur. Osculatus est eam foris, quando «Tamquam sponsus procedens de thalamo suo, exsultavit tamquam gigas ad currendam viam» (Psalm. XVIII, 6). Tamquam gigas foris est; quia non rapinam arbitratus esse se aequalem Deo, formam servi accepit (Phil. II, 6, 7). Foris ergo factus est, qui erat intus. Vide illum intus, quando legis quod in sinu est patris: cognosce illum foris, quando nos quaerit, ut redimat. Foris sibi factus est, ut mihi intus esset, et fieret medius nostrum.
7. Ibi ergo simus, ubi Christus medius est, radicatus et fixus in cordibus nostris. Et ideo sicut ipse praecepit: Cum oras, intra in cubiculum tuum (Matth. VI, 6), et effunde super te animam tuam; cubiculum tuum interiorum secretum est, cubiculum tuum conscientia tua est. Denique Ecclesiastes tibi dicit: Et quidem in conscientia tua regi ne maledixeris, et in penetralibus cubiculorum ne maledicto devoveris divitem (Eccles. X, 20). Ibi ergo ora et ora in occulto, ut audiat te qui in occulto audit: et «ora sine ira et disceptatione», abdicato occulto dedecoris (ITim. II, 8): Iustus enim non proditionem criminis metuit, sed contagionem.
http://www.apologistascatolicos.com.br/obraspatristicas/index.php?af=AmbrosioDeInstitutioneVirginis
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1. Tu recomendas-me o teu penhor da nossa amizade[2], que é igualmente meu: Ambrósia, a consagrada do Senhor. Com o teu piedoso afecto por ela, tu garantes para ti mesmo um benefício maior do que o resto da tua prole te poderia dar. E na verdade é isso que tens na tua mente cristã. Tu educas os outros [filhos], para os fazeres sair de casa e casá-los com estranhos. Esta, porém, tê-la-ás sempre contigo[3]. Com os outros tu também fazes uso dos deveres da piedade paterna, mas com esta tu vais mais além das obrigações de um pai e procuras com anseio e com empenho que ela agrade a Deus. Sendo ela o maior motivo dos teus anseios, que seja ela a pagar sozinha por todos os deveres que tu tens para com ela e para com os outros filhos.
2. Este é o sacrifício que Abel ofereceu a partir dos primogénitos das suas ovelhas (Gen. 4, 4). É isto que também o Apóstolo louva mais que tudo, dizendo aos Coríntios: «Se alguém tomou a firme resolução no seu coração, e resolveu no seu íntimo guardar a sua filha virgem, faz bem. Portanto, aquele que casa a sua filha virgem faz bem; e quem a não casa ainda faz melhor» (1Cor. 7, 37-38). Por isso David, descrevendo a beleza da Igreja, cuja glória é toda ela interior e não exterior (pois a maior honra está nos bons pensamentos, no afecto imaculado da castidade e no propósito de uma consciência recta) muito bem acrescentou: «Será apresentada ao Rei e seguem-na as virgens» (Sl. 44, 15). E voltando-se para o Senhor e Pai, diz: «As suas amigas ser-vos-ão apresentadas. Serão apresentadas com alegria e entusiásmo, serão conduzidas ao templo do rei» (Sl. 44, 16).
3. Que amiga é esta, senão aquela que está próxima de Cristo, a quem o Verbo diz: «Levanta-te e vem daí, amiga minha, formosa minha e minha pomba, porque o inverno já passou» (Cant. 2, 10-11)? Antes de receber o Verbo de Deus ela era um inverno sem beleza e sem fruto. Quando recebeu o Verbo de Deus, o mundo foi crucificado para ela e fez-se verão. Por fim, bafejada pelo fervor do Espírito Santo, ela começou a florir e a exalar o odor da fé, a fragância da castidade, a suavidade da graça.
4. Por isso a Escritura acrescenta noutra passagem: «Teus olhos são pombas, por detrás do teu véu» (Cant. 4, 1), porque ela, toda espiritual e simples como uma pomba, em cuja figura João viu descer o Espírito Santo, vê as coisas espirituais e sabe calar os mistérios que viu. Calar não é uma virtude pequena, pois há um tempo para calar e um tempo para falar (Eclo, 3, 7), tal como também está escrito: «O Senhor Deus deu-me uma língua que ensina, para saber quando devo falar» (Is. 50, 4).
5. Assim, o dom da virgindade é uma espécie de pudor que se remete ao silêncio. Também por isto a glória da Igreja é interior, não está realmente no palavreado, mas nos sentimentos ou no recôndito dos mistérios, tal como ela diz ao esposo: «Quem dera fosses meu irmão, amamentado aos seios da minha mãe! Ao encontrar-te na rua beijar-te-ia, sem censura de ninguém. Eu tomar-te-ia e te levaria para casa de minha mãe, para o recôndito daquela que me concebeu» (Cant. 8, 1-2). E mais acima diz: «O rei introduziu-me nos seus aposentos» (Cant. 1, 3)
6. Na rua, a Igreja beija a Cristo e é introduzida por Ele nos seus aposentos. Ele beijou-a na rua, quando «saiu, como um esposo do seu tálamo, a percorrer alegremente o seu caminho, como um herói» (Sl. 18, 6). Na rua está como herói, porque, ao não considerar uma usurpação o ser igual a Deus, assumiu a condição de servo (Filip. 2, 6). Portanto apresentou-se no exterior quem estava no interior. Reconhece aquele interior, quando lês o que está no seio do Pai. Reconhece aquele exterior, quando Ele nos procura, para nos redimir. Apresentou-se no exterior, para me ter no interior e ficar no meio de nós.
7. Portanto situemo-nos onde Cristo é o centro, radicado e fixado nos nossos corações. Por isso, conforme ele próprio manda: «Quando rezares, entra no teu quando» (Mt. 6, 6), derrama a tua alma sobre ti mesmo. O teu quarto é o teu recôndito interior, o teu quarto é a tua consciência. Enfim, também o Eclesiastes te diz: «Não digas mal do rei, nem mesmo em pensamento; não digas mal do rico, nem mesmo a sós no teu quarto» (Ecles. 10, 20). Então reza aí, reza no segredo, para que te ouça Aquele que ouve no segredo. «Reza sem ira nem altercação» (1Tim. 2, 8), renunciando ao segredo da desonra. Com efeito o justo não teme a vingança do crime, mas o seu contágio.
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