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A mitra dos bispos e papas e o simbolismo pagão

RECEBEMOS DO LEITOR que se identifica com o nome "Emerson" a pergunta que reproduzimos abaixo, seguida de nossa resposta:
(...) uma coisa me deixou muito em dúvida. Vi um desses vídeos onde acusam a igreja católica de adorar o Deus Mitra e até distorceram uma explicação de um padre sobre o natal para comprovar o culto ao Deus mitra.
Até ai tudo bem estava me divertindo com as heresias ai então o autor falou que presta serviço a várias instituições catolicas e que a razão social da maioria começa com mitra e o nome da instituição comprovando o culto ao tal deus sol.
Fiz uma rápida busca e realmente percebi que varias dioceses tem o mitra antes do nome e também percebi o termo mitra diocesana.
Sei que mitra é o chapel cônico que os bispos e o papa usa.
Gostaria de saber qual o verdadeiro significado do termo mitra para igreja e se tem alguma ligação com o deus pagão e porque o nome aparece na frente do nome das dioceses."




Salve Maria, Emerson!

Muitas vezes, optamos por nem sequer abordar questões deste tipo, não só por se tratarem de temas que, teologicamente falando, são realmente muito rasteiros, mesquinhos mesmo. Além disso, sabemos que apenas o falar sobre tais coisas pode se tornar uma maneira de ajudar esses verdadeiros maníacos na divulgação das suas criminosas mentiras e calúnias contra a Igreja de Cristo; e o objetivo do nosso trabalho por aqui é exatamente o contrário: buscamos o esclarecimento das questões da fé. Em todo caso, como você infelizmente nos diz que se deixou perturbar por esta grande tolice, consideramos por bem publicar esta resposta em forma de post.

mitra (do grego μίτρα) significa "turbante", "coroa" ou "diadema" e é a cobertura de cabeça usada como insígnia pontifical e episcopal pela Igreja Católica – assim como o anel, a cruz peitoral e o báculo. Sim, é o "chapéu" cerimonial prelatício usado por abades, bispos, arcebispos, cardeais e o papa. Com o mesmo significado, a mitra é usada também pelas igrejas ortodoxas e anglicanas.

Na internet é possível encontrar estudos sérios, completos e bastante elucidativos sobre o significado e a origem da mitra católica. Falaremos sobre isso também, embora de modo mais resumido. Entendemos que, no seu caso, para aquietar o seu espírito, o mais importante é esclarecer logo se existe a possibilidade de a mitra enquanto símbolo católico, pelo nome, ter algo a ver com o paganismo e o deus Mitra. 

Pelo seu depoimento, vemos que algum desonesto usou o fato de a Igreja usar o termo "mitra" para designar as dioceses, e isso o deixou confuso. Em primeiro lugar, saiba que disseminar tais bobagens é parte de um conjunto de táticas deliberadamente pensadas e maliciosamente planejadas para confundir os católicos, e que são usadas à exaustão pelos soldados do diabo. Alguns ingênuos as difundem sem saber do que estão falando, o que piora toda a situação, e é o caso de se perguntar se estes são menos culpados: não sabendo do que falam, deveriam ser pelo menos responsáveis e ter a decência de não repetir algo sobre o que não têm conhecimento. 

Estes casos servem, de fato, como provas de que boa parte das seitas ditas "cristãs" e "evangélicas" de maneira nenhuma pertencem a Cristo, mas estão a serviço do pai da mentira. Assim, já vou tranquilizá-lo logo de cara e dizer que a palavra "mitra" é a mesma que se encontra na Bíblia, no Livro do Êxodo (28, 4.37.39; 29,6; 39, 28.31), Levítico (8,9 e 16,4) e Ezequiel (21,26), para significar, exatamente, a cobertura de cabeça ou chapéu distintivo usado pelo sumo sacerdote. Originalmente era de linho, com uma fita de ouro atada à testa por um laço de fita azul, com a inscrição: "Santidade ao Senhor". As traduções atuais destas passagens para o português podem trazer as palavras "turbante" e "diadema". Estas informações constam também da página protestante "Dicionário Bíblico", que você pode conferir neste link.

Vemos, assim, que não há absolutamente nenhuma relação entre a mitra usada pelos bispos e papas, que é utilizada no culto a Deus desde os tempos do Antigo Testamento, e o paganismo.


As insígnias episcopais e pontifícias e os símbolos pagãos

O termo "mitra", na sua origem, significa defesa ou proteção, pois simboliza também um capacete de guerra que atesta poder e serve de alerta aos inimigos da Verdade. Sua origem se perde no tempo, mas uma teoria diz que deriva de um símbolo militar. É pelo fato de ser um símbolo de autoridade que se usa para designar territórios administrativos da Igreja. Por isso é que se diz "Mitra Diocesana"  ou "Mitra Arquidiocesana" de tal e tal lugar.

É muito importante saber e manter sempre em mente que muitos símbolos, rituais e objetos usados no culto a Deus desde o Antigo Testamento (e que permanecem no Novo Testamento) eram parecidos com os usados no paganismo. Nestes casos, obviamente o que vale é a intenção e o contexto, e não a forma ou a aparência

A aspersão de água abençoada, o uso dos castiçais, os sacrifícios de animais, dentre muitos outros elementos que estavam presentes no antigo ritual judaico segundo as Ordens do Deus Vivo, conforme as descrições bíblicas (Nm 8,7; Gn 46,1), também eram usados pelos pagãos. Sobre as a mitra e as vestes sacerdotais, vemos a Ordem divina direta na própria Bíblia Sagrada:

Estas, pois, são as vestes que farão: um peitoral, um éfode, um manto, uma túnica bordada, uma mitra e um cinto; farão, pois, vestes santas a Arão, teu irmão, e a seus filhos, para Me administrarem o ofício sacerdotal.
(Ex 28,4 – tradução protestante Almeida)

Um pouco mais adiante, no mesmo Livro, esta série de orientações divinas para os rituais do culto se conclui (também na tradução protestante, que é igual à católica) da seguinte maneira:

(…) para que não levem iniquidade e morram; isto será estatuto perpétuo para ele e para a sua semente depois dele.
(Ex 28,43)

Observe-se, ainda, que o "éfode" citado no trecho mais acima também era sinônimo de divindade pagã ou estátua/estatueta de um ídolo – o que pode se confirmar pela leitura de algumas passagens do Livro dos Juízes (8,27; 17,5). A coincidência entre os nomes dados aos símbolos, vestes e objetos usados no paganismo e no culto dos cristãos não deve nos escandalizar. Isto é coisa de ignorantes, como aqueles que nos acusam pelo fato de existirem alguns feiticeiros que levam imagens e retratos de santos católicos para os terreiros de seitas africanas. Acaso seríamos nós os culpados por eles raptarem as nossas imagens e fazerem mal uso delas?

Outro exemplo é o do Patriarca Jacó – filho de Isaac e futuro Israel – que viajando por uma terra estranha, dormiu na estrada, em Luza, perto do vale do Jordão, usando uma pedra como travesseiro. Ali, sonhou com uma escada que se erguia até o Céu, com anjos que subiam e desciam entre o Reino celeste e o terrestre. No alto da escada, viu El (o 'Deus do Céu', nome que também era usado pelos pagãos e foi adotado pelos israelitas para se referir ao único Deus verdadeiro), que o abençoou e repetiu as promessas feitas a Abraão: os seus descendentes se tornariam uma grandiosa nação e possuiriam a terra de Canaã. É Jacó pensou: "Que temível é este lugar! Outa coisa não é senão a 'Casa de El' ('Beth-El' ou Betel, isto é, Casa de Deus) e a porta do Céu". O patriarca expressou-se na linguagem religiosa do seu tempo e cultura: a Babilônia, morada dos deuses pagãos, chamava-se "porta dos deuses" (Bab-ili). Jacó então resolveu consagrar aquele solo santo à maneira pagã tradicional da região, botando de pé a pedra sobre a qual repousara a cabeça durante o sono (e o sonho), e libando-a com óleo. Pedras eretas eram símbolo comum dos cultos cananeus de fertilidade, que aconteciam na própria Betel. Os isralitas, depois, viriam  a condenar veementemente esse tipo de religião, mas o santuário pagão de Betel estava associado, nas lendas antigas, a Jacó e seu Deus[1].



Outro exemplo (que outras páginas ditas 'evangélicas' sensacionalistas também usam) é que os filisteus adoradores do deus-peixe Dagon tinham na figura do peixe o seu ídolo. Seus sacerdotes, portanto, usavam chapéus imitando uma cabeça de peixe, que em certas ilustrações se assemelha à mitra episcopal-pontifical. Usar algo que pudesse lembar uma forma de peixe, na imaginação destes pobres ignorantes, seria uma prova do paganismo da Igreja(!)... Mas, ora, Nosso Senhor Jesus Cristo também não foi, desde o início da Igreja, simbolizado com a figura de Peixe? Basta conhecer o mínimo de História Eclesiástica para saber que o peixe era usado pelos primeiros cristãos simbolizando o Cristo, devido à sigla que dizia Quem era Ele: IXTUS = PEIXE, sendo "I" de Iesous (Jesus); "X" deXristos (Cristo); "T" de Theou (Deus); "U" de Uiós (filho); "S" de Soter (Salvador). Assim Iesous Xristos, Theou Uiós, Soter = Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador.

Tanto isto é fato bem conhecido que diversas dessas novas comunidades supostamente cristãs utilizam o peixe como símbolo, e o vemos em suas placas, adesivos de carro, etc. Também a própria mitra católica traz sempre um símbolo cristão tradicional, como o próprio Peixe, o Cordeiro, a Cruz, o Cálice, a Estrela de Davi (pois Jesus é chamado Filho de Davi) e muitos outros.


Se um símbolo católico lembra um peixe é "idolatria, mas...

Citamos apenas alguns exemplos acima. Há muita aparente similaridade ou semelhança entre os símbolos, nomes, usos e costumes cultuais pagãos e aqueles autênticos, isto é, dirigidos ao Deus verdadeiro, por vezes até nos títulos atribuídos à divindade – e nem por isso os patriarcas e sacerdotes de Israel eram adoradores de ídolos, muito pelo contrário: eram eles os legítimos servidores do Altíssimo, tanto que o próprio Cristo é chamado Sacerdote Eterno segundo a Ordem de Melquisedec. Insistimos: o que realmente importa é a intenção e a finalidade para as quais tais símbolos, paramentos e materiais são utilizados, e não as formas e matérias em si mesmas.

Assim, Emerson, precisamos preveni-lo para que não se deixe abalar por tão pouco. No dia em que você vir um bispo ou padre da Igreja Católica Apostólica Romana, validamente ordenado, adorando ou prestando culto a um deus pagão, aí sim é motivo para se preocupar. Enquanto tudo o que você tiver for o testemunho desses fanfarrões que se consideram mestres, ria deles. Melhor ainda, ignore-os e reze pela sua conversão.

Por fim, por favor, use o seu tempo para coisas mais úteis e produtivas do que navegar nessas páginas mentirosas mantidas por verdadeiros servidores de Satanás! Mesmo as mentiras mais ridículas e infantis acabam desviando muita gente, tanto que você mesmo diz que ficou "muito em dúvida" e veio nos procurar. Damos graças a Deus, se nos permite às vezes intervir para que estas querelas fúteis não se tornem motivo de escândalo.

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Nota
1. ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus, São Paulo: Companhia das Letras (Bolso), 2008, pp. 30-31.
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Ref.:
• SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO, Cerimonial dos Bispos (CB)/Cerimonial da Igreja, Paulus, 2001.
• RODRIGUES, Rafael. Refutando mentiras sobre o paganismo na Igreja Católica, publicado em 'Apologistas Católicos', disp. em:
http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/protestantismo/502-refutanto-mentiras-sobre-o-paganismo-na-igreja
Acesso 10/8/016
• ACADÊMICO ARAUTOS, As Insígnias Episcopais: anel, cruz peitoral, mitra e báculo, disp. em:
http://academico.arautos.org/2013/09/as-insignias-episcopais-anel-cruz-peitoral-mitra-e-baculo/
Acesso 10/8/016
• BOULENGER. Doutrina Catholica. Rio de Janeiro; São Paulo: Francisco Alves , 1927.

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